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Foto do escritorNicholaj Frisvold

Reconstruindo o Homem Moderno

A única constante é a mudança e, quanto mais resistimos, mais sofremos, até aceitarmos ou desistirmos da nova modalidade. O mundo ocidental iniciou sua mudança em direção ao cenário que temos hoje em 1972, quando o dólar passou a não significar ouro e, com isso houve uma transformação na economia global, enquanto entrava o mercado de ações como uma forma de transformar o valor do dinheiro em algo abstrato. Como consequência, vimos o fim da classe média, uma pressão forte da economia neoliberal e o primeiro estágio da polarização ideológica que vemos hoje.

Claro que essas tendências começaram mais cedo, e eu diria que a historicidade hegeliana transformada na teoria política de Marx e Engels, que via a história através das lentes de uma luta de poder econômico entre classes, e poderia representar um desses impulsos que gestaram o nosso mundo contemporâneo. Juntamente com essas ideias de poder, também temos a enorme influência de Nietzsche em nosso mundo e a busca de sentido (e fracassando nisso), a adoção do niilismo, e a disputa de significado universal são certamente elementos que se agitam no cenário deste nosso mundo.


Nos anos 80, o desconstrucionismo estava em voga na minha universidade, assim como em muitas outras da Noruega, e fiquei bastante impressionado com toda a ideia envolvida na filosofia de Derrida, uma vez que lembrava outras técnicas literárias com o objetivo de revelar significado dentro de um texto, fosse intencional ou não, como no método de recorte de William Burroughs, onde ele escrevia um texto e o recortava e, então, reescrevia de forma aleatória, como um exercício psicológico e oculto tanto quanto literário. Vejo agora que os pós-modernistas franceses estavam realmente tomando o pulso do tempo, especialmente com a sugestão de Foucault; de que o poder seja estabelecido através de formas aceitas de conhecimento; portanto, é vital que o conhecimento seja aceito para que ele tenha um impacto (poder) sobre o mundo. As qualidades Apolíneas e Dionisíacas dos humanos (e especialmente dos homens) discutidas em “O Nascimento da Tragédia” de Nietzsche sofreram uma desintegração similar, pois um efeito do pós-modernismo foi o modo como o sentido era visto, como uma construção temporária e muitas vezes social. Voltarei ao “O Nascimento da Tragédia” mais adiante, em outro artigo, pois acredito que neste discurso que Nietzsche está apresentando uma imagem bela e dinâmica do que poderíamos interpretar como um apelo à perfeição dos homens.


Nas últimas duas décadas, quatro palavras foram amplamente usadas no campo do discurso social, sendo essas palavras “orgulho”, “respeito”, “escolha” e “certo”. Tenho o direito de escolher X do qual me orgulho e você deve respeitar isso. É importante observar como essa sentença se fecha a qualquer diálogo, debate ou crítica e, se a analisarmos como um discurso, tentando encontrar significado no texto, não haverá nenhum, mas como sentença social ela afirmaria o indivíduo que escolhe governar supremo, como o próprio significado se revela. Do ponto de vista filosófico fica um pouco difícil, pois toda a frase deste tipo precisa de um adversário ou inimigo para tomar seu poder: aquele que desrespeita. A partir disso vemos muitas brigas absurdas e ilógicas, bem como as birras verbais no pseudo-diálogo atual.


Então eu pretendia falar de homens, homens biológicos, e farei isso agora, mas primeiro é importante afirmar que em um mundo onde o dinheiro é abstrato, muitas coisas seguiram o exemplo e se tornaram abstratas, fluidas e essencialmente sem sentido algum até o momento em que é nomeado, reivindicado e tomado posse. Vemos isso com a linguagem o tempo todo, em como as palavras mudam rapidamente de conteúdo e significado e em como há espaço para todo tipo de opinião pessoal que deve ser respeitada, seja esta opinião informada ou não. Parece que os homens não estão lidando muito bem com um mundo que se desintegra da solidez material e se reúne em nós abstratos, formando todas as formas de redes e relacionamentos. Pelo menos, a American Psychology Association achou que sim e, no ano passado, apresentaram 10 diretrizes para profissionais que lidam com homens e meninos, com o objetivo de fortalecer a masculinidade saudável em referência ao que eles denominaram “Masculinidade Tradicional”. A APA elaborou diretrizes semelhantes anteriores sobre como lidar com mulheres e pessoas LGBTQ, o que significa que agora os homens também estão em uma classe vulnerável.


A última década viu um aumento significativo do suicídio entre homens adultos na maior parte do mundo ocidental e, naturalmente, a correlação também é alta com vício, depressão e atos aleatórios de violência, anunciando o potencial de suicídio. As explicações para isso vão desde abordar a masculinidade em si mesma, dela estar perdida, tóxica e em transformação ao niilismo atual e às formas típicas de se encontrar um bode expiatório onde “o sistema”, o “feminismo” ou qualquer outro é o culpado pela miséria e sentimentos de abandono, de isolamento e alienação frágil de si e do mundo.


O filósofo de Harvard, Harvey Mansfield, em seu livro Manliness (2006), culpava as mulheres e direitos iguais por tornar obsoleto o papel de provedor e protetor dos homens e, consequentemente, dos homens se perderem, porque as mulheres ficaram mais poderosas. Acho que Mansfield estava errado e acho que o bode expiatório é um claro sinal de conclusões erradas.


Os homens não estão tendo dificuldades por causa dos direitos das mulheres, dos gays ou o que seja. Pankaj Mishra, autor de Age of Anger (2018), escreveu que Osama bin Laden declarou em seu tempo que parte de sua violência contra o Ocidente era, parafraseando-o, para “manejar a população masculina” e que atacar uma “nação fálica como os EUA lhe parecia uma boa ideia”. Uma observação como essa apenas destaca a natureza competitiva dos homens; quebrando um símbolo fálico, o meu símbolo fálico permanece maior. Não estou dizendo que é “errado” ser competitivo, quero dizer é que precisamos estar cientes desse impulso. Você vê isso o tempo todo. Como ontem quando fui lavar o carro, e é peculiar no “universo macho” que um lugar como esse gere uma determinada atmosfera com sua linguagem corporal, sonoridade, riso, piadas e histórias. É sempre sobre a melhor história, a risada mais alta, pelo menos nesse nível mais simples. Como eu não tinha boas histórias para contar, observei o “universo macho” e percebi que a masculinidade não é sobre força e músculos. Eu diria que isso é mais como um platô básico da ideia masculina. Podemos combinar isso com obediência e vontade e temos a visão masculina de Hitler, ou podemos adicionar poesia e loucura à forma masculina e temos um filósofo como Nietzsche.


Iron John (1990) de Robert Bly, foi um dos primeiros livros a abordar o conteúdo mutável da masculinidade, com seu apelo à aceitação paterna como a chave para uma masculinidade estável e saudável. Mas, ao mesmo tempo, foi um apelo a trazer à tona o “homem selvagem” de Thoreau, com um foco mito-poético na masculinidade das mitologias tradicionais, como a “energia Zeus” e outras. Não foi um trabalho que resistiu muito bem ao teste do tempo, provavelmente por causa da insistência na lealdade à visão de mundo do pai tão fundamental a Robert Bly. Podemos dizer que em um mundo pós-moderno exaltado pela mudança, onde as deficiências e a estupidez de nossos pais se tornaram muito evidentes no excesso de informações e tecnologia, que esta não possa mais ser uma demanda válida. Não apenas isso, precisamos falar aqui de figuras paternas saudáveis, de modelos saudáveis.


Os homens não estão mais perdidos do que os outros, é só que o nosso mundo está mudando e está mudando muito rápido. Todo homem (e mulher) é tanto único quanto comum, e quanto mais percebemos quão comuns somos, mais únicos temos o potencial de ser. Nós, humanos, tendemos a obedecer às regras sociais, à opinião pública popular, adotamos informações e opiniões que não são as nossas o tempo todo e, à medida que deslizam para o nosso ser, elas se tornam uma parte de nós. Pankaj Mishra, escreveu o seguinte em um longo artigo no The Guardian:


“’Não se nasce, torna-se torna mulher’, escreveu Simone de Beauvoir. Ela poderia muito bem ter dito o mesmo para os homens. É a civilização como um todo que produz uma criatura assim. E o obriga a uma ruína em busca do poder. Comparados com as mulheres, os homens estão quase em toda parte mais expostos ao alcoolismo, toxico-dependência, acidentes graves e doenças cardiovasculares; eles têm uma expectativa de vida significativamente menor e são mais propensos a se matar. As primeiras vítimas da busca por uma potência masculina mítica são, sem dúvida, os próprios homens, seja nos recreios escolares, nos escritórios, prisões ou campos de batalha. Essa experiência cotidiana de medo e trauma os liga às mulheres de mais maneiras do que a maioria dos homens, presos em mitos de masculinidade resoluta, tendem a reconhecer.”

Não que eu assuma que a criação seja 100% da explicação de quem somos, e eu acredito que a natureza (genética, biologia e predisposições) tem um lugar nisso tudo, mas é importante estar ciente dos fatores sociais e em um mundo em que o espírito do niilismo nos afeta cada vez mais, é importante aceitar o desafio, mostrar um pouco de coragem e criar sentidos. Se você não sabe onde o sentido é encontrado, escolha um sacrifício e seja bom para alguma coisa. Se você aponta os dedos para os outros e se sente inseguro e emasculado, caminhe para dentro e em direção ao verdadeiro poder, que é guardado pela integridade, a bondade e o caráter. Não se trata de homens que possam chorar, mas que homens possam ser diferentes e tão coloridos como há montanhas na terra. Porque nesta era de dissolução você pode desistir ou pode se aventurar em direção ao seu centro e, sim, acredito que, como Thoreau apontou, os bosques, o tempo para a reflexão e o exercício físico devem ser valiosos para esta jornada em direção ao próprio centro, onde reside o verdadeiro poder, e não o poder ruinoso da competição e da violência.


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