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Positividade e responsabilidade

Você também não aguenta mais ouvir a palavra gratidão? “Gratiluz” então, faz seu estômago virar do avesso?


Se você já se sentiu pressionado, cansado e muitas vezes incapaz de pensar positivo, por mais que internet te lembre todos os dias de que você PRE-CI-SA, esse texto é para você...


Já parou para pensar no gigantesco peso e na responsabilidade que a pressão por estarmos bem, contentados e dispostos todo o tempo pode gerar?


Essa cultura que anda crescendo cada vez mais de empoderamento e de positividade por uma lente parece ser absolutamente essencial - já que essas são mesmo características do ser que podem nos trazer uma série de benefícios - mas o quanto será que de fato é isso que anda acontecendo? Será que não existe aí, por baixo de uma camada fina de verniz, uma estratégia que serve outros senhores?


O que eu não consigo deixar de pensar é o quanto é interessante para a manutenção do sistema vigente que a gente seja colocado nesse papel o tempo todo. Do jeito que esse tema é abordado ele parece flertar um pouco com aquele conceito da meritocracia, onde é depositado totalmente no ser (e nos recursos que às vezes ele nem tem a disposição) toda a responsabilidade por sua sobrevivência, sucesso e bem estar.


Não que o nosso bem estar não seja de nossa responsabilidade, mas a narrativa padrão ignora totalmente que a gente já nasce em um sistema desigual, em uma rede complexa e coletiva de ganâncias, oportunidades, massificação e regras.



Vamos lá pro resumão:


A coisa funciona mais ou menos assim: a gente vive em um sistema de onde é praticamente impossível de escapar - a não ser que você decida de fato ir morar no meio do mato sem nenhum contato com a sociedade e onde mesmo assim você provavelmente ainda estaria infringindo alguma lei - e a grande maioria das pessoas trabalha muito e ganha pouco, para que poucos ganhem muito.


Eu sei que isso daí você já tá careca de saber, mas de alguma forma a gente ainda esquece com frequência dos nossos senhores e segue vivendo a vida como se pudesse realmente desfrutar de todo o potencial humano que naturalmente existe. E pior ainda, segue cobrando o amiguinho para que ele desenvolva todo o seu potencial - e aí do “preguiçoso” se ele não estiver em condições de contribuir.


A gente esquece da verdade mais simples de que esse sistema muito bem estabelecido é quem se aproveita de verdade dessa dinâmica. Ele suga nossa força de trabalho todos os dias, espiona nossos hábitos e gostos, manuseia a nossa atenção para vender os produtos da vez. Ele usa de todos os recursos e principalmente do mais poderoso que ele tem, a mídia, para criar quais são os comportamentos adequados e aceitos, que vão fazer a força de trabalho ter uma ilusão de “liberdade”. Só o suficiente pra esquecer que já nasceu em uma prisão.


O negócio é feito para gente se matar de trabalhar, competir entre si por direitos básicos como moradia descente, alimentação e saúde, e pra quando a gente não conseguir mais acompanhar ainda nos sentirmos incapazes e insuficientes. E o que me parece muito útil para a manutenção disso tudo é justamente toda essa cultura da positividade.



Tem problema de sobrepeso? Simples! É só acordar às 5 da manhã todos os dias e malhar igual aquela influenciadora famosa - se ela pode, você também pode!


Quer melhorar de vida? Fácil! Basta se livrar de toda essa negatividade - e de quebra deixar ir com ela todo o seu senso crítico e quem sabe também essa indignação “tóxica” de que você é praticamente um escravo.


Para pra pensar se essa ilusão de que temos toda a liberdade e todos os recursos necessários para sermos eficientes e perfeitos, não isenta o próprio sistema (e os marionetistas que puxam nossos fios) de toda e qualquer responsabilidade nesse jogo? E ao mesmo tempo se ela não onera os sujeitos individuais com cargas físicas e mentais que estão fazendo uma sociedade inteira ficar doente, e ainda exigindo que ela mesma dê conta disso.


Mas e aí? E você? Já tomou sua pílula de positividade de hoje?


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