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Juízo de valor, a ausência da presença



Em muitos de meus textos eu falo sobre não julgarmos, ou sobre falar sem julgamento. Mas o que isso significa realmente? Vamos falar um pouco sobre isso a partir da lente da Comunicação Não Violenta.


Em primeiro lugar, julgar é algo inerente ao ser humano. É algo que não controlamos. Até porque esse é o meio de separarmos o joio do trigo, analisarmos as coisas e, em última instancia, um meio de sobreviver.


Temos diferentes maneira de entender a palavra julgamento. Buscando a origem etimológica desta palavra, verificamos que é uma palavra que se refere à avaliação de provas e fatos para a tomada de uma decisão. Sob um olhar jurídico é a decisão de um magistrado, notadamente um juiz, que interpreta um caso e dita uma consequência, podendo ser utilizado como sinônimo de sentença jurídica, ou mesmo o processo jurídico como um todo. Já dentro de um contexto mais psicológico temos outra ideia, julgamento seria uma avaliação com base em valores pessoais e preferências para a tomada de decisão ou o início uma ação.


Na CNV (Comunicação Não Violência), é comum utilizarmos a palavra “julgamento” como sinônimo do termo juízo de valor. Este termo está relacionado às vivências, experiências e conceitos que são adquiridos ao longo da vida, sendo uma bússola do que é certo ou errado para cada um de nós. A partir disso, vamos criando um “mapa de mundo”, onde construímos nossos valores pessoais e princípios. Tudo isso, começa desde criança e permanece na fase adulta. O nosso juízo de valor, nossa maneira de julgar, pode mudar ao longo do tempo ou não, depende da nossa jornada de conhecimentos e transformação pessoal.



Mas então o que esse conceito significa para a nossa comunicação? Quando estamos falando com alguém, o nosso cérebro a todo tempo busca em nossos arquivos nossas experiencias. São essas experiências, nosso passado, memórias, traumas e valores que são utilizados como termômetro, como régua para saber definir o que é “certo” e o que é “errado” sob nosso ponto de vista.



É por esse motivo que quando estamos conversando com alguém, frequentemente colocamos nossos pontos de vistas e entramos em debates ou discussões. Isso por si só é algo positivo. Significa que o nosso senso crítico está ativado. Por outro lado, muitas vezes procuramos impor nosso juízo de valor sobre os outros. Queremos mudar a maneira que o outro enxerga o mundo, e isso é um ato de violência. Lembre-se, cada um carrega sua própria maneira de ser e ver as coisas.



Mas como podemos perceber se estamos impondo nosso juízo de valor? Quando sua mente está inquieta fazendo uma avaliação daquilo que a pessoa está dizendo, é justamente isso que você (consciente ou inconscientemente) está buscando fazer. Ao fazermos isso, podemos observar que não estamos presentes de fato. Uma dica para que você verifique seu estado de presença: tente lembrar de tudo que a pessoa compartilhou com você nesse momento.



Outro modo de verificarmos que estamos julgando aquele que fala conosco é perceber se quando a pessoa está falando queremos interrompê-la para expressarmos nossa opinião. Temos uma sensação de agonia, até mesmo da “subida” de calor. Isso é muito frequente quando em uma discussão o outro compartilha uma ideia que não concordamos ou não condiz com os nossos valores. A tendência é começarmos a “competir”, porque queremos estar certos e defender aquilo no que acreditamos. Não sei se vocês têm essa sensação, mas me parece que existe um muro que impede que eu consiga atingir o outro para que ele entenda aquilo que estou tentando transmitir. É nesse momento que começamos a falar mais alto para que o outro nos ouça. E surgem frases como “Você não me escuta!” ou “Mas não foi isso que eu disse”.



Às vezes levamos “soluções” para as pessoas, e elas simplesmente ignoram, porque elas não pediram a nossa opinião. Marshall B. Rosenberg, o criador da metodologia de Comunicação Não Violenta, fala que ao darmos nossa opinião, precisamos que a pessoa assine duas folhas autenticadas em cartório para termos certeza que a pessoa está ciente de que a minha opinião faz parte do meu mapa de mundo. Porque nossa opinião vem com nosso juízo de valores, nossas vivencias e sentidos que apenas nós compreendemos. Este tipo de coisa nos leva a nos afastarmos uns dos outros, nos desconectando das pessoas que amamos. Para lidar com isso precisamos primeiro de PRESENÇA. Precisamos sair do piloto automático.



Quando estamos em um conflito pode parecer como se estivéssemos num cabo de guerra. Mas podemos nos perguntar: O que essa pessoa desperta em mim? O que estou vendo nela ou ouvindo, que está afetando as minhas emoções? Como e porque essas palavras afetam as minhas ações? O que ela disse que despertou a minha “fera interior”?


Importante, essas perguntas precisam ser feitas sem julgamento, sem o uso do juízo de valores, sem o uso da autocrítica, sem “certo” e “errado”. Nesse momento isso não importa, até porque não existe “certo” ou “errado” para os sentimentos.


Essas perguntas nos trazem para o estado de presença e nos ajudam a nos conectarmos com as nossas “feras” adormecidas. Desta forma vamos criamos uma melhor relação com o nosso juízo de valor. Podemos não concordar e aceitar a visão do outro, mas cada um tem seu próprio mapa de mundo, seu modo de ver a vida. Perceber isso nos ajuda a desenvolver a empatia, e a não jugar as pessoas, porque percebemos as necessidades delas. Assim, ficamos disponíveis e abertos para ver o mundo a partir dos olhos de outra pessoa, mesmo não compartilhando de sua opinião, ideia ou conceito.


Aprendemos com a CNV, que enquanto estamos presentes, suspendemos nosso julgamento. Isto é, eu falo para essa “fera” interior que eu a vejo, mas que, no momento, eu escolho me conectar a pessoa que está falando comigo, trazendo à tona meu lado mais empático e vulnerável.


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