top of page
Foto do escritorEduardo Regis

Uma Mambo em “O Mundo Sombrio de Sabrina”!

Atenção: esse artigo contém SPOILERS da quarta (e final) temporada de “Sabrina”. Pensando bem, talvez da terceira também. 

A encarnação contemporânea televisiva das trapalhadas de Sabrina, uma bruxa prodígio que só sabe fazer burrada, acabou. Bem, a verdade é que demoraram demais para enterrar e o cadáver já estava fedendo desde a temporada passada. Apesar da trama focada na tomada de rédea feminina contra o patriarcado ter sido uma boa sacada, sua execução deixou a desejar.


Por isso, Sabrina já vai tarde.


Porém, não quero falar da série em si, mas sim de uma personagem curiosa que foi introduzida na temporada de 2019: a Mambo Marie. A chegada de uma sacerdotisa de Vodou ao mundo mágico da série cheirava a uma ótima oportunidade para reforçar a representatividade e ajudar a quebrar alguns estereótipos. Porém, tudo que os roteiristas fizeram foi perder essa chance.


A Mambo Marie Lefleur (Fale rápido e, sem querer, poderá sair Marie Laveau) é uma Haitiana que mora em Nova Orleães e que de acordo com a própria “Não faz o Vodou diluído de Nova Orleães”, mas pratica o Vodou Haitiano. Bem, vamos lá. Se era para a personagem ser Haitiana, então por qual razão ela não estava no Haiti? Convenhamos, os bruxos de Sabrina se teletransportam para lá e para cá, mas pouco saem da pacata e bucólica Greendale. Enfim, Colocar uma Mambo de Vodou Haitiano em Nova Orleães apenas para dizer que a prática Estadunidense é “fraca” além de ser terrivelmente preconceituoso, não faz o mentor sentido. Bola fora, Sabrineiros.

Marie Le o quê?

Tem mais: Marie Laveau… cof…Lefleur… cof… chega a ser chamada de “Rainha Vodou”, título que é relegado à Laveau. Bem, Laveau é uma figura típica do Vodou de Nova Orleães e não tem qualquer participação ou relevância, até onde eu saiba, no Vodou Haitiano. Curiosamente, o próprio aviso da personagem de que ela não fazia o “Vodou diluído” parece não ter sido levado em conta pelos roteiristas, que diluíram a riqueza do Vodou Haitiano ao igualar a Mambo Marie à sua xará mais famosa pelos Estados Unidos.


Não conhece Marie Laveau? Vou ficar devendo um artigo sobre ela, mas, por enquanto: era uma suposta feiticeira, mulher preta e livre, que tinha práticas ligadas ao Vodou na Nova Orleães do século XIX.


Voltando à Mambo Marie da série da Sabrina: Quando ela se tornou uma regular da série e passou a residir na “academia”, parecia que o mundo de Sabrina estava se expandindo. “Opa, agora veremos que há magia no mundo todo e não só em Greendale”. Porém, a Mambo quase nada fez que não fosse exatamente o que as bruxinhas adolescentes da “Witch High” já não fizessem. Pior, depois que o coven se converteu à Hécate, parece que a Mambo, servidora dos Lwas, fez o mesmo. Ou ela estava ali só por estar, ou ficou claro que os Lwas são, no mundo de Sabrina, entidades bem pouco relevantes.

Baronesa Lefleur?

O pior, porém, ficou mesmo para o final. Na desastrosa última temporada da série, mais irregular do que humor de adolescente e com um final pior do que o de uma competição de quem come mais cachorros-quentes, a Mambo se revela como sendo o próprio Barão Samedi.



É isso mesmo. Vou deixar vocês pensando sobre isso.


Pensaram?


Não faz o MENOR sentido.


O que diabos o Barão Samedi, Lwa da morte e dos mortos (simplificando) estaria fazendo numa academia de bruxas? Além disso, em nenhum momento ela mostrou nenhum comportamento similar ao do Barão. Em resumo, um desastre completo.

Pelo menos acertaram na caracterização:

Então… por qual razão?


Eu tenho as respostas, meus amigos, mas elas farão os fãs da série chorar (e me odiar).

  1. A velha e estigmatizada visão de que o Vodou lida APENAS com a morte e com o sinistro. Isso mesmo. Mambo Marie podia ser um zilhão de outros Lwas, mas escolheram justamente o Barão. Eu não tenho problemas com o Barão aparecer numa série. O problema é que de novo, é só isso. Pronto. Colocaram Vodou no meio, tem que aparecer alguém no cemitério. O pobre Barão já apareceu até em filme de James Bond. Ok, eu mesmo tenho um romance (tá pra sair, gente) que tem um personagem inspirado no Barão (inspirado, notem bem). Claro, o Barão é bacana. Tem um visual legal. Porém, se fosse para mostrar, de fato, uma Mambo que era o Barão disfarçado, então que o roteiro tivesse ido além da página da Wikipedia e construído uma personagem interessante.

  2. Causar um “grande choque”. Um dos recursos de uma série decadente e carecendo de um bom rumo é surgir com uma revelação tão bombástica que nos faz esquecer que ela não tem razão de ser e que contradiz tudo do que foi revelado até então.

  3. Falta do que fazer com a personagem. Por qual razão a Mambo ficou na academia? Ela depois se apaixona por Zelda e elas curtem um namorico. O óbvio era explorar esse lado. A Mambo vem pra ajudar numa parada, se apaixona, fica e tal. Ela até recruta a Roz, revelando que a teen é uma bruxa. Tinha tudo para ela recrutar personagens pretos e dar uma diversificada na vibe da série. Entretanto, tudo isso é jogado de lado. Ok. Ok. Eu sei que a série foi cancelada. Porém, imagino que um final bem mais satisfatório seria uma “Academia” multiétnica e plural não só em parte do elenco, mas também em seus ensinamentos. No fim, temos uma academia de Hécate (mais batida ainda do que o Barão) e com uma estátua de Sabrina Spellman. Bem, se eu fosse um bruxo daquela academia, eu tinha pedido transferência há tempos. Sabrina só soube quase destruir o mundo em todos os episódios.

Reverte ad locum tum.

Bem, meus queridos. É isso. Eu acho bacana que séries e romances e o cinema represente o Vodou. É evidente que liberdades serão tomadas (como o caso dos Mèt tèt  da série, que não fazem o menor sentido dentro da teologia do Vodou, mas que dentro da mitologia da série ficaram aceitáveis) e que teremos aqui ou ali algum estereótipo. Porém, fiquei impressionado com o show de oportunidades perdidas que a passagem da Mambo Marie nos apresentou. Uma verdadeira aula do que não se fazer.


E nem me deixem começar a falar do resto da série em si… essa última temporada então… essa merece 5… 5 pauladas ensandecidas na tela!

PS: Tchau, Sabrina. Vai pra toca do coelho e não volta! :-*

*Imagem de capa: Skye Marshall como Mambo Marie Lefleur.

*Segunda imagem, pintura de Marie Laveau.

*Terceira imagem, Barão Samedi por Matt Barnes (apropriadamente em Nova Orleães).

*Quarta imagem, Barão Samedi na série da Sabrina. Foto pelo nosso Athos Guizzardi, paparazzi dos Lwas. 

*Quinta imagem, Sabrina indo preparar um coelho assado.

Comentarios


bottom of page