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São João da Cruz e o Caminho Devocional da Serpente

“Aqueles que sabem que são profundos buscam clareza. Aqueles que gostariam de parecer profundos à multidão lutam pela obscuridade.” ― Friedrich Nietzsche


Onde o caminho do astuto e o caminho do santo se cruzam encontramos o poder e uma corrente secreta que abre um mistério comum. Se tocarmos a teologia e nos voltarmos à filosofia, se descartarmos o dogma para abraçar a doutrina, se escolhermos permanecer amorais na presença do moralismo, podemos ver o que está realmente oculto dentre os santos e podemos ver quem são eles com clareza sem a proteção dos adornos da fé e fachadas. Tenhamos em mente que por muitos séculos os místicos da cristandade tiveram que usar a linguagem da Igreja para evitar a heresia e a morte, e às vezes, como no caso de Giordano Bruno (1548 – 1600) isso não era suficiente.


Ao ver claramente não nos enredamos em desacordos e ressentimentos com a Igreja ou o Cristianismo. Um olhar astuto aos santos e sua filosofia mística pode encontrar ressonância. Tomemos um dos meus muitos santos favoritos, São João da Cruz.


O frade carmelita São João da Cruz (1542 – 1591) foi instruído e frequentemente se correspondia com uma carmelita mais velha, Teresa de Ávila (1515 – 1582), que escreveu O Castelo Interior e foi imortalizada pela escultura de Bernini Teresa em Êxtase, encontrada na Basílica de Santa Maria della Vittoria em Roma. A própria Santa Teresa ensinou um caminho místico que ia além da mera união com o divino, onde se buscava o êxtase em Deus pelo caminho da devoção ou o que ela chamou de “quarta etapa da maturidade espiritual”, a Devoção do Êxtase. Este estado é descrito como um transe, frequentemente acompanhado por levitação no caso de Sta. Teresa, onde a memória e as sensações são absorvidas em Deus, seguidas de uma experiência fora do corpo que infligia uma dor terrível ao corpo. Este êxtase divino é descrito como uma intoxicação do ser puro, onde não há um “eu” consciente, apenas o êxtase de ser sustentado pela matéria na dor, levando a um arrebatamento, em lágrimas e relaxamento profundo. Isso a levaria a se tornar perfeitamente alinhada com o mundo divino e consigo mesma.


O êxtase, a união, a dor embutida no mundo da matéria, a embriaguez espiritual, os estados de transe e o alinhamento perfeito seriam elementos muito comuns no caminho do astuto e com São João da Cruz, aquele que foi ensinado por uma freira com uma meta devocional comum representa para mim alguém que Bawon Samedi amaria. Um homem tão faminto pelos mistérios, tão cheio de anseio pela união com o divino. Ele escreveu tudo sobre essa fome, tanto como uma virtude quanto um vício, e de como deveria ser a “sobriedade espiritual”, algo que poderia ajudar aos outros com a sede e fome espirituais.


Em sua magistral Noite Escura da Alma, São João da Cruz desde o começo fala sobre a importância de aceitar a necessidade da noite escura, de purgarmos das impurezas, um auto-exorcismo se assim preferirem, que visa remover entulhos e obstáculos do caminho direto para a união divina. No Livro Um, Capítulo Seis, ele fala do quarto dos vícios espirituais: a gula espiritual. É bem impressionante ver que suas críticas e preocupações (bem, na verdade consternações) que ele expressa para seus irmãos e irmãs são exatamente as mesmas que encontramos em nosso mundo ocultista contemporâneo. O Santo São João afirma que este vício entra em jogo quando uma pessoa realiza um exercício espiritual somente pelo deleite. Em outras palavras, a gula espiritual é uma forma de egoísmo, uma atividade narcisista em que a prática em si limita o praticante.


Existem especialmente duas passagens bastante divertidas a esse respeito:


“Alguns são muito insistentes para que seu diretor espiritual lhes permita fazer o que eles próprios querem fazer e, finalmente, quase forçam a permissão dele. E se não conseguem o que querem, ficam tristes e seguem como crianças irritadas. ”


Todos nós as vimos, essas pessoas que pensam que são algum tipo de favorito do espírito, Gurus autoproclamados, pessoas que pensam que algum grau em alguma ordem lhes confere algum poder misterioso e um “direito” pseudo-divino de ditar e controlar espíritos, demônios e semelhantes, homens e mulheres. Não seja essa pessoa.


“Todo o seu tempo é gasto em busca de satisfação e consolo espiritual; eles nunca podem ler livros espirituais o suficiente, e em um minuto eles estão meditando sobre um assunto e no próximo sobre outro, sempre procurando alguma gratificação.”


Todos nós vimos essas pessoas também, cheias de livros, aprendendo com um apetite insaciável por mais e mais e mais. Não há fundo porque são calorias espirituais vazias. Para que serve o conhecimento se não for usado? Uma biblioteca que ganha poeira atrás de portas fechadas acumulando mais papel e tinta e que representa acúmulo espiritual, para que serve isso?


Gula espiritual; o ‘viciado em macumba’, o cavaleiro dos graus maçônicos e pseudo-maçônicos, o “sabe tudo”, o pau para toda obra, o charlatão, o trapaceiro, o equivocado e o falso Guru, todos caindo presas desse vício espiritual. O glutão espiritual é aquele que nunca está satisfeito e que nunca tem persistência em nada. Impaciente como uma criança mimada e inquieta, sempre busca algo novo sem fazer uso adequado do que lhe foi dado. Não seja aquela pessoa que nunca está satisfeita e sempre quer mais; Não seja aquele que está muito satisfeito e orgulhoso do que foi dado, que deve ser compartilhado em todos os lugares com o objetivo de colher estima e elogios.


Deixe a “sobriedade espiritual” ser o seu guia enquanto você mira em alinhamento, tanto com o espírito e a alma, a cabeça e o coração, com o que está fora e com o que está dentro.


E para você que leu essas palavras com algum ressentimento estranho, essas ideias também ressoam com as de Robert Cochrane quando escreveu o artigo The Witches’ Stang publicado em The Cauldron # 76 (1995), onde ele fala sobre a importância do equilíbrio e da harmonia para gerar sabedoria, que também é conhecido como “o caminho devocional da Serpente”. Vou deixar isso aqui como um testamento do que chamamos de “dupla observância” ou “reverência por ambas as mãos”.

Créditos da Imagem: carmelitas.org

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