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Saturno, Senhor da Era Dourada e Pai das Indomadas

Atualizado: 8 de fev. de 2022

Saturno é um grande paradoxo para quem estuda rudimentos de astrologia na magia ou na “Arte Sem Nome”. Seu simbolismo aparece com frequência assustadora como conectado a cultos satânicos e na cultura pop, às eras sombrias, nos filmes de terror com personagens sinistros e demoníacos. Existe até uma premiação para filmes de terror que leva seu nome: o Saturn Awards of Best Horror Film. É possível elencar várias referências que colocam Saturno como o próprio Satanás. E talvez a imagem mais crie este tipo de conexão seja justamente a do patriarca que engole seu próprio filho, eternizada pela pintura de Goya.


É interessante notar que mesmo que as outras deidades de seu panteão pudessem apresentar comportamentos repreensíveis, foi somente Saturno que se eternizou como maléfico na mente dos homens, o que como o posiciona adequadamente na categoria de “melhor bode expiatório” desde a antiguidade, seguido por Judas. Do filho que se volta contra o pai não se faz referência cultural alguma.

Saturno - Francisco Goya
Saturno - Francisco Goya

O simbolismo da impressão eternizada por Goya é a relação de Saturno com “Tempo” (Cronos), um dos campos atribuídos a Saturno. E realmente, o tempo consome o homem sim, como consome tudo o que vive, até a morte. Tudo o que vive, morre, e esta é a grande sacada da Criação. E nem os deuses passam impunes disso, visto que o deus do conquistado sempre é o novo demônio do conquistador.


Saturno é o senhor dos domínios dos mortos, e é aqui que poucos conseguem visualizar este reino como algo diferente do “inferno” cristão. Ele é o senhor dos sonhos dos justos e inocentes e dos pesadelos dos cruéis e violentos. Ele é o repouso da inquietude da semente, Marte, que mora no centro de todo ser humano. Ele não é lugar. Ele é tempo fora do tempo estabelecido por Júpiter, que é linear, e então, é de uma dimensão que abarca a nossa dimensão. Ali, de dentro da terra, em um mundo subterrâneo, a vida brota das entranhas, em absoluta escuridão, e se a vida nasce da morte – como a planta nasce da morte da semente e o homem de uma pequena morte, Saturno, o mais distante, é o final e também o começo de toda a linha vermelha. Como “tempo-dimensão” que abriga nossos mortos, como poderia ser algo a ser temido e demonizado?


Ao mesmo tempo, é compreensível que na concepção dos culpados o inferno seja tenebroso, e que o mal esteja encarnado naquilo em que não se pode encarar. O mal, para estas pessoas, está sempre nos outros.


Saturno reina sobre os mortos e os elementos que brotam da terra. É o escuro do útero da Criação. Ele é o “proto-deus” onipotente e onisciente que ganha características condenatórias em Júpiter. Ele foi subjugado e exilado da superfície pela lei e regra dos homens, sim, mas também para que a vida sob o Sol se iluminasse e se aquecesse. A semente precisa do Sol para germinar antes de retornar ao reino dos mortos.


As indomadas adentram em seu reino ao lusco-fusco, o witching hour, cobertas pelo manto da noite. Esta é a luz crepuscular que as transporta entre reinos e facilita a comunicação entre vivos e mortos. Seis horas, coincidentemente a hora da Ave Maria... e aqui entramos no reino das mulheres, dos mistérios, e dos temores de tudo aquilo que é desconhecido.


Estas indomadas usam o recurso das ervas de saturno, poderosos venenos e remédios da alma, para voar além deste tempo-dimensão da semente. Neste voo presente, passado e futuro se fundem em paisagens selvagens, onde elementais, espíritos e inteligências celestiais trafegam e traficam favores e visões. Mas a presença da Morte no limiar aterroriza o homem comum. A responsabilidade final atormenta e o presságio inquieta. Não é à toa que estas mulheres foram caçadas e demonizadas. Os homens preferem a confortável ignorância. Eles ainda não entendem que não há como apreciar o mel sem antes sorver com igual vigor o fel. E que só sairemos deste ciclo de maldades todos juntos.


A Era de Saturno foi descrita por poetas como um tempo de abundância da terra, um tempo de plena satisfação, alegria, inocência, e de liberdade sem limites. A completude da expressão divina. Qualquer paraíso criado depois disso não é mera coincidência. Contudo, este não é um paraíso à semente inquieta. Antes, o homem deve aprender at

Saturnália de Antoine Callet
Saturnália de Antoine Callet

ravés da moderação, em equilíbrio disciplinado como toda a natureza que não vive em excessos, pois toda a manifestação é válida, não só o prazer.


A semente da insatisfação pulsa no coração dos homens. Ela é o que impulsiona o ser humano a progredir, a caminhar e a edificar. Mas ela também não é boa, desde que não há paraíso em terra em que o ser humano esteja plenamente satisfeito por muito tempo. Esta semente é o prego de ferro de Marte, é o que nos mantém caminhando, é o que previne que o reino de Saturno se abra muito cedo. O ferro é o que mantém o mundo dos mortos apartado do nosso.


A indomada voa a estes reinos em todas as luas porque ela não depende desta luminosidade para caminhar. A Lua tem a ver com os ciclos e marés, plantios e colheitas, ferramentas do ofício da bruxa. A escuridão da noite é sua aliada para as jornadas visionárias e é por isso que a Lua é considerada a Mãe das Indomadas. Sobre ela vale escrever outro dia, só para ela.


Não poderia dizer que Saturno seja um deus bom. Nem mal. Ao mesmo tempo em que ele é o conforto e liberdade últimas, ele é tão implacável quanto a Morte é: bela, cruel e certeira.


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