Como vocês já devem ter notado, eu aproveito os temas do nosso podcast para escrever para o nosso site. Isso porque apresentar um podcast com convidados exige um certo cuidado com minhas opiniões pessoais, afinal, a proposta é oferecer a diversidade de abordagens e opiniões sobre os temas. Aqui eu posso trazer o que é baseado na minha experiência e nas minhas próprias divagações, e se fizer feio, sou a única a sofrer com isso.
O tema da semana foi “Sacerdócio”, e acho que foi particularmente espinhoso. Isso porque existem tantas formas de sacerdócio quanto existem religiões e tradições. Assim, falar de um ponto de vista sempre vai trazer os pontos cegos em relação às outras formas de espiritualidade.
Talvez então eu devesse observar do lado de fora, sobre o que eu esperaria encontrar nesta figura que atende por um título tal como “Pajé, Xamã, Mãe de Santo, Mestre, Padre, Pastor, Sacerdote...”. E mesmo assim, estaria caindo em outro ponto cego. O que eu espero pode não ser exatamente o que o outro espera. Afinal, alguns anseiam por um sacerdote com toda a pinta de um pai ou uma mãe. Outros, esperam que seu sacerdote seja operador de milagres. E existem tantos anseios quanto existem pessoas.
Então talvez eu deva simplesmente falar do tipo de sacerdotisa que escolhi ser, através da minha experiência pessoal e maturidade.
Ao meu ver o sacerdote é uma ponte entre o visível e o invisível, e nesta função, é também uma ponte entre a deidade e o adorador. Nada mais e nada menos. Sendo assim, o protagonismo desta história fica dividido entre deidade e adorador. Fora desta relação, quando o sacerdote aborda a deidade em suas próprias questões, ele não fala da posição de sacerdote, mas sim, de adorador.
Eu escolhi um tipo de sacerdócio empoderador. Meus templos são compostos e geridos por vários sacerdotes e iniciados com capacidade e liberdade de decidir como vão executar seus ofícios, e de decidirem por eles mesmos os momentos certos de abraçarem mais obrigações (outras iniciações). A mim cabe a mesma deferência que dou a cada um deles. Nesta equação, dou e recebo conselhos, dou e recebo ordens. Quem decide se responsabiliza pelos resultados.
Como deve ser possível imaginar, esta liberdade anárquica só poderia funcionar em um culto fechado. Daí a minha reserva, que em dias de exposição gratuita é um tanto mal vista e sujeita a interpretações das mais surreais possíveis.
Eu ainda penso que vale a pena empoderar, mesmo que nem todas as vezes os indivíduos tivessem a capacidade de lidar com o poder de forma saudável. Mesmo que outros indivíduos tivessem escolhido mentir sobre poderes que nunca receberam, apesar de nunca encontrarem obstáculos para a obtenção.
O treinamento sacerdotal é nada mais do que o aprendizado de uma linguagem, e a iniciação, um rito de passagem, um casamento sagrado entre a deidade e o adorador. O caráter é a base da palavra, e sem palavra não há pacto e não há iniciação. Parece simples, mas a forja do caráter é tão avassaladora e trabalhosa que os apressados e os famintos pelo poder (de mandar nos outros) acabam encontrando meios de se sabotar.
Penso que quando o sacerdócio é exercido com consciência social, ele deve estar impregnado com os ideais de formação de uma sociedade justa, movida pelo respeito e autorresponsabilidade. Desta forma, eu não saberia fazer algo diferente sem cair na hipocrisia. A ideia de ter seguidores dependentes me aborrece um bocado. Não tenho este desapego à minha própria vida pra cuidar.
Então, sim, acho que é importante reavaliar o significado do que é ser um sacerdote na atualidade. Creio que quem está procurando um sacerdote ou um caminho ao sacerdócio deve avaliar bem seus anseios.
A quem procura um sacerdote, avalie bem que tipo de sacerdote você precisa: um pai (ou mãe)? Um juiz? Um bode expiatório? Ou só alguém que lhe sirva para fazer a ponte com a deidade?
A quem procura o caminho do sacerdote, avalie:
Você tem realmente esta vocação? Do que realmente você precisa? Conexão? Comunidade?
Ou o poder de explorar e mandar nos outros?
A simples palavra "sacerdócio" é impactante e desperta em nós memórias e significados que vão de experiências verdadeiras ao surreal. Foi o tema mais desafiador até agora!