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O Olho Bruxo

A bruxaria tradicional foi desde que denominada por Cochrane nos anos 60, tem sido como uma besta impossível de se domesticar e se definir, isso porque essa é a natureza da arte inominada, e sem nome ela fica e deve permanecer porque sua verdade sempre será forjada na poeira estelar e no fluxo e refluxo de tempo e das marés.


Vemos tentativas crônicas de definir a arte em relação ao que ela não é e, de certa forma, o próprio Cochrane é um pouco culpado por isso desde que ele tentou definir o Ofício como algo diferente do movimento pagão na Inglaterra de sua época e que ficou rapidamente em voga. Esse movimento Cochrane chamou de ‘Gardnerianos’, enquanto eles se autodenominavam wiccanos.


O que irritou Cochrane não foi necessariamente a adoção do antigo termo britânico wicce, mas o conteúdo que eles deram a essa antiga palavra referente a bruxa, alguém que possuía conhecimentos e poderes fora do normal para um ser humano. E pouco mudou desde aqueles dias, talvez porque esse falso binário fosse arrastado o tempo todo, onde é repetido ad nauseam de que a wicca não é bruxaria tradicional e, ao defender esse binário, o conceito de bruxaria tradicional também perdeu sua vantagem e significado original. Hoje, até onde eu vejo, a Bruxaria Tradicional se tornou uma definição não apenas de algo ‘não-wiccano’, mas também algo de uma herança pagã que você cria. Isso não é bruxaria tradicional, como era entendido há 30 anos atrás, quando falávamos sobre sangue, raça, provação e a hoste caída… o que estava no nome não é mais o que era e se tornou um rótulo em um mundo tão saturado com todas formas de idéias e informações que facilmente nos perdemos e questionamos nossa identidade e significado. Portanto, vejo a adoção do rótulo “bruxa” hoje, em geral, como alguém que se alia à natureza e com isso todo tipo de conteúdo pode ser esvaziado nessas cinco letras.


Temos aqueles que insistem em retomar a palavra, assim como aqueles que insistem em retomar os símbolos. Pegando de volta? Para quê? Por que retomar o que já foi sem nome? Quando uma palavra passa por uma transformação de significado, acredito que é importante ampliar nosso horizonte e olhar mais de perto a cultura e o mundo e, em vez disso, focar no zeitgeist, o espírito do mundo que trouxe a mudança, porque aquele que se via como “bruxo” há 30 ou 20 anos estaria em termos amigáveis com a mudança e a transformação. Hoje, essa pessoa provavelmente escaparia desse termo e aceitaria mais palavras como “sábio” ou algo igualmente vago – como “místico”, como A.O Spare e Cochrane se definiram.


Quando alguém convoca um espírito da natureza sob o pretexto desse ser um deus ou uma deusa, algo para adorar, você está praticando religião. A bruxaria nunca foi uma religião e nunca será. É a arte do Destino e é sua criação e destruição que fervilham no sangue. Chamar um espírito da natureza para adoração nunca será bruxaria. Negociar, combater, exigir e prestar a reverência necessária sempre fará parte da arte sem nome, mas a adoração nunca é seu caminho. Se a pessoa que está assumindo que o manto da bruxa não pode encantar um espírito, fazer pacto com plantas e demônios ou ver tanto o passado quanto o futuro com o objetivo de trazer o consolo do desconforto necessário, claramente ‘bruxa’ está significando algo mais hoje do que há três décadas atrás.


Acredito que a “bruxa” continue encantando e confundindo à medida que escapa à definição constantemente. Sim, ela é encontrada onde a magia popular é encontrada da mesma forma em que pode ser encontrada nos arredores de tudo em todos os lugares, como um sopro, um vento, uma presença impossível de capturar. Ela é pássaro e cobra, enigma e profecia. É alguém com os olhos que vêem por baixo e além ao mesmo tempo, alguém que se interessa pelo sacrifício e se cansa na presença de muito “sentimentalismo” e pressa emocional, porque ela sabe que ela faz o que faz movida pela necessidade, e quando você é movido pela necessidade, o fogo do sacrifício é da maior importância para se entender – e usar. A bruxa se envolverá sem esforço e naturalmente com o mundo com base na identificação, nomeação, significado, poder e utilidade. Esse pentagrama ontológico entra em movimento na presença da planta, poder ou situação com o objetivo de definição precisa (a nomeação) e nisso ela ganha poder sobre a coisa que se apresenta e pode direcioná-lo de acordo com a necessidade. Desta forma, podemos olhar para bruxas famosas no passado, como Circe, filha do Sol, que tipifica a mulher livre e astuta que está em harmonia com a natureza e seus aliados, animais e plantas, em seu habitat solitário, terra encantada abraçada por águas místicas.


Se nos voltarmos para a Observância Nórdica e à àsynja, a tendência é apontar para Heid, Gulveig e Freya como tipificação do ‘ícone de bruxa’, enquanto seria mais sobre o reino que Frigg mantém junto com as nornas (wyrd), porque é apenas ao estar conectado ao Destino que você pode ver claramente – e isso está ligado ao seu senso de necessidade e alguém sempre trabalhando na escura tapeçaria de eventos fora dos eventos sob o Sol – e isto nos coloca mais em contato com a bruxa como vidente, como herbalista, como a clarividente no caminho do veneno, alguém que sabe tomar juramento de homens, animais e plantas por causa de suas raízes astutas que se estendem às águas ctônicas do próprio destino.


Isso só é possível porque a bruxa vê a vida como nascida da morte. A morte é eterna, a ideia sem forma – e da morte a vida brota como uma estrela na atmosfera de todos os mundos para brilhar ao lado da Lua por alguns belos momentos. Naturalmente, as perspectivas moldadas a partir de tal postura se desviarão das opiniões que tomam forma ao agirmos sobre o tecido social, com nossas lutas e batalhas dando sentido ao presente que a morte nos deu.


A bruxa é uma anomalia que intimida, alguém que não vê o mundo com os olhos do sol, que não reage a eventos mundanos de maneiras previsíveis; ela sempre será outra, difícil de definir, perigosa, alguém de conforto, alguém de consolo, alguém de veneno, alguém que traz o outro mundo a este mundo para gerar um belo caos neste mundo sob o sol.


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