Em seu livro sobre Bruxaria Tradicional Balcânica, Radomir Ristic nos fornece imagens evocativas da natureza da bruxa como alguém que possui uma relação ou conexão com algum espírito vestido em trajes demoníacos. A conexão com este espírito o torna apto a fazer maravilhas e prodígios, voar noite a fora e agir de maneira que o coloca aparte do mundo ordinário. Ele ou ela é alguém que vê além dos véus do dia e da noite e vê o que há por trás de tais véus. Ristic também é claro ao revelar que na raiz da idéia da bruxa encontramos um conceito teológico bogomilo. Os Bogomilos acreditavam em um Deus Único, porém, eles também acreditavam em seu emissário e vigário, Satanael. Por esta razão temos o conceito dos dois Czares, o Czar dourado do Céu e o Czar prateado da Terra. Sua exposição sobre estes mistérios também foi expresso na antologia sobre Bruxaria Tradicional Serpent Songs, onde ele conclui que a influência bogomila fez o ‘caminho das avós’ sobreviver – foi este caminho que ficou conhecido como bruxaria.
Este campo entre Céu e Terra é importante, pois é aqui que encontramos a bruxa como a guardiã das duas chaves que a torna um limiar, proibida e iluminada – é uma benção amaldiçoada… mas a bruxa permanece firme entre dois mundos, visível e invisível em um lampejo de ambigüidade e temor. Como Mikael Häll comenta em sua tese de doutorado:
“… o mundo pré-moderno e seus habitantes existiam em um campo de tensão entre Deus e o Diabo… A magia do povo comum, por exemplo, era explicada como um desvio da verdadeira fé que conduziria em direção a Deus e, em vez disso, conduzia o praticante em direção ao Diabo…” (Skogsrået,näcken och djävulen, Malört forlag, 2013: 72, 73, tradução NdMF)
E sim, a bruxa é perigosa porque ela sabe demais. Quando você sabe demais, você não cairá em truques com sombras e espetáculos de marionetes, sua habilidade de discernimento lhe impelirá e você verá claramente. Você verá com a clareza da matéria negra ou dos enxofres de mil sóis, e você rejeitará qualquer tentativa de laçar uma corda ao seu redor. Qualquer conselho, federação ou organização será percebida como uma doença, tampouco digna do ridículo, pois a bruxa sabe demais e nisto, ele ou ela sabe que… Com a chave do céu ela abre para os anjos e o inferno celestial e com a chave de prata ela abre para a linguagem da natureza, para entrar em comunhão enquanto voa como um pássaro da milagrosa colheita da tragédia, comédia e harmonia…
A bruxa é uma amante da vida e da verdade, é uma vidente e uma conhecedora – e por isso ela pode se esconder em plena luz do dia e brilhar como um vaga-lume à noite. Ela é Ele e conhece os limites de todas as fronteiras – e é por isso que ela desafia e provoca. Seu próprio ser é a medula do Diabo – como nós o conhecemos…
Pois o Diabo, de fato, é um opositor, embora não seja um inimigo a menos que assim você o declare e o convide para entrar em um jogo diferente dentro de sua vida – pois nós sempre somos nossos próprios inimigos. Então, se o Diabo exerce o papel de inimigo no jogo, ele se voltará para você e lhe desafiará a ver os seus caminhos, passos e seus voos.
O Diabo, o Davul, o Homem na Encruzilhada, o carvão negro do ferreiro, o estranho, São Nicolau, São Pedro, o cúmulo dos seus medos, o inconsistente, o Dragão, Rei da Terra, o Homem na Ponte e muitos outros são os nomes referentes a este ícone de ‘Diabo’ como a porta para o outro lado que daria boas vindas a alguns poucos seletos… Bruxas não são pagãs, mas alguns pagãos podem ser bruxas. Antigas formas de culto e religião não possuem valor algum para a bruxa, a menos que seja acrescido ao Destino dela como algo excluído, e assim uma paisagem é explicada. A bruxa renuncia dogmas embora muitas vezes abrace a doutrina – e isso é sempre o espinho no olho cego das entidades religiosas – pois a bruxa é uma força da natureza que faz amor com a natureza e seus habitantes, enquanto luta com eles para manter a encruzilhada de seu próprio ser. Esta postura é diabólica, pelo o menos do ponto de vista da religião dogmática, atual ou pré-histórica. A bruxa sempre será a forasteira astuta que recusa o dogma, mas adere à doutrina que torna o mundo uma superabundância de enigmas que podemos seguir pelos sete cantos do mundo.
Roper Lyndal relata o seguinte:
“Em 1670, Regina Bartholome confessou que vivera com o Diabo como marido e mulher. Tinha 21 anos quando foi interrogada pelo Conselho de Augsburg e ela conhecera o Diabo cinco anos antes. Ela lembrava que o Diabo estava vestido em uma calça de seda, com botas e esporas, e que ele parecia um nobre. Eles desfrutavam seus encontros amorosos duas vezes por semana em uma taberna-padaria em Pfersee, uma aldeia próxima de onde os judeus viviam. O Diabo encomendava lingüiça de pulmão, carne de porco assada e cerveja para ela e os dois comiam com prazer, sozinhos no salão da estalagem. Ele prometia a ela dinheiro, mas ela havia recebido somente 6 kreuzer dele, e mesmo assim isso se revelara ser uma má barganha. Em troca por esta magra recompensa, Regina assinara um pacto com o Diabo pelo período de sete anos. Ela renegara a Deus e a Trindade, e tomara o Diabo — seu amante — como seu pai, ao invés de Deus.”(Oedipus and the Devil, Routledge, 1994: 228)
Aqui encontramos a idéia comum da bruxaria como oposta ao cristianismo, mas não é bem assim. A bruxa é alguém que vive na tensão entre Deus e o Diabo, e é por definição ambígua e conhece a ambos. O Diabo vive nos enigmas e detalhes do esquema cósmico – e assim também a bruxa.
Do original The Devil in Witchcraft, escrito por Nicholaj de Mattos Frisvold
postado originalmente em http://www.starrycave.com/2013/09/the-devil-in-witchcraft.html
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