Ulisses é o rei de Ítaca, liderou exércitos e tripulações na Guerra de Tróia e levou 20 anos para retornar ao seu reino depois da guerra. Durante todo esse tempo, Ulisses e sua turminha do barulho se meteram em altas aventuras e arranjaram várias confusões no caminho de volta. Eu me lembro do filme A Odisséia (1997), de Armand Assante, ser um dos meus favoritos na infância. Devo ter assistido trocentas vezes e mais uma, na Sessão da Tarde.
A esposa de Ulisses, rainha Penélope, já estava até tecendo a mortalha dele. Quando, 20 anos depois, ele finalmente chegou à Ítaca com a aparência de um mendigo, de tão marcado pela jornada. Ninguém o reconheceu, a não ser o seu cachorro. No palácio, 108 pretendentes já se reuniam, urubuzando a mão da rainha, só esperando a certidão de óbito ser oficialmente registrada em cartório. Sem notícias do esposo, Penélope decide fazer um concurso para escolher um pretendente: quem conseguisse vergar e encordoar o arco de Ulisses, e atirar uma flecha através de aros fixados em 12 machados alinhados, dava match!
Não tinha Tinder na Grécia antiga
Os 108 pela-saco já estavam no palácio há dias enchendo o saco. Comendo e bebendo à vontade, abusando da hospitalidade da rainha e metendo a boca no rei abertamente, na maior cara-dura. Mas, na hora do vamo-ver, os primeiros zé-ruela que tentaram não tiveram capacidade nem para vergar o arco! Ulisses, ainda “disfarçado” de mendigo, pede a para tentar. É claro que ele encordoa o arco de primeira e atira uma única flecha perpassando os 12 machados. Nesse momento, a rainha Penélope o reconhece e, com o salão fechado, Ulisses mata geral.
Quando eu vi que haviam batizado as reuniões masculinas do Espelho de Circe – conduzidas por Eduardo Regis e Renato Rocha – como o Arco de Ulisses, além de achar genial, bateu aquela nostalgia gostosa em relação a um dos meus filmes prediletos da infância.
Os encontros são um espaço seguro para a troca de experiências de vida e conhecimentos magísticos, religiosos e espiritualistas entre homens de qualquer credo, raça ou orientação sexual. O post de divulgação dos encontros nas redes sociais define muito bem o propósito:
Este é um espaço de construção coletiva de saberes masculinos, de compartilhamento, diálogo e de acolhimento. O Arco de Ulisses representa um instrumento de força – porém, não qualquer força: o arqueiro se faz pela integração e compreensão de suas muitas camadas, representadas pelas doze lâminas de machado alinhadas. Quando esta harmonia é atingida, surge a Verdadeira Vontade e ganha-se o foco necessário para vencer os obstáculos da vida com uma maior compreensão do ser masculino.
Buscar e compartilhar conhecimento
Como um bom filho de Oxóssi, também não posso deixar de associar essa jornada de autoconhecimento ao orixá, o guerreiro-de-uma-flecha-só, que traz a caça, a abundância e a prosperidade. Na Umbanda Sagrada de Rubens Saraceni, Oxóssi está assentado no trono do conhecimento. E é justamente essa partilha de conhecimento nos encontros do Arco de Ulisses que vai nos permitir prosperar enquanto homens, alvejando os nossos defeitos de forma certeira, e transmutando o resultado dessa caçada em alimento para a sociedade.
Para finalizar com uma outra das minhas lembranças infantis, eu cresci com o poema Teus filhos, do libanês Khalil Gibran, que minha mãe emoldurou na parede do meu quarto desde que eu nasci. O texto fala da relação entre mães e pais e seus filhos, e o último verso é particularmente lindo:
Tú és o arco do qual teus filhos, como flechas vivas, são disparados… Que a tua inclinação na mão do Arqueiro seja para alegria.
Que possamos todos seguir a mesma inclinação.
Encontros do Arco de Ulisses
Os encontros do Arco de Ulisses acontecem por Zoom, quinzenalmente, aos domingos às 19h BRT, exclusivamente para homens, agendando aqui no site do Espelho de Circe. As mulheres participam da Roca das Moiras.
Sobre o autor
Kuca Moraes é fotógrafo, estrategista de marketing digital e aprendiz de feiticeiro.
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