É comum entre os iniciantes em magia a sensação e o entendimento de que tudo é apenas obra da imaginação. Ou seja, que nada daquilo é, de fato, real. De acordo com esta lógica, magia é mero exercício da mente criando coisas e assim, muitos a descartam como um delírio ou autossugestão.
Vi e vejo muito isso ocorrer quando pedimos aos mais novos que façam ou viagens astrais ou meditações guiadas. Principalmente, viagens astrais, que carregam aquela ideia toda de “sair mesmo” do corpo. Nestas viagens, o iniciante costuma assumir que ou nada viu ou que só ficou criando coisas para ter o que ver. Costumamos pedir que ele descreva ainda assim o que se passou e é geralmente sem surpresas que constatamos que a viagem foi bem sucedida. Quer dizer, sem surpresa para nós, que já temos um tempo nisso. O novato sempre fica boquiaberto, mas muitas vezes logo vem o bendito argumento da imaginação para tirar aquela sensação de assombro dele.
É claro que este iniciante não está completamente equivocado. De fato, grande parte da viagem e grande parte do trabalho mágico encontram suas fundações na imaginação. Sim, aquela mesma imaginação que cria amigos invisíveis e que faz crianças enxergarem castelos onde só há caixas furadas de papelão. É claro que a imaginação mágica precisa ser um pouco mais sofisticada, mas não que isso queira dizer mais potente ou impressionante, apenas precisa de um foco melhor estabelecido, talvez. A questão é que, geralmente, perdemos significativamente nossa capacidade de imaginar e precisamos reaprender a como fazer isso. Por isso, não podemos subestimar os exercícios mais simples como os de visualização, por exemplo.
Não acreditem em mim, entretanto. Vejam o que diz Eliphas Levi, talvez o ocultista mais influente dentro da Tradição Esotérica Ocidental:
“O que é chamado de imaginação dentro de nós é apenas a faculdade inerente da alma de assimilar imagens e reflexos contidos na luz viva, sendo o Grande Agente Magnético. Tais imagens e reflexos são revelações quando a ciência intervém para revelar-nos seu corpo ou luz. O homem genial difere do sonhador e do tolo apenas nisto: suas criações são análogas à verdade, enquanto as do tolo e do sonhador são reflexos perdidos e imagens errantes. Assim, para o homem sábio, imaginar é ver, assim como, para o mago, falar é criar. Portanto, pela imaginação, demônios e espíritos podem ser observados realmente e verdadeiramente”. (Eliphas Levi, Dogma e Ritual da Alta Magia).
Vejam que interessante. Levi entende que a imaginação está longe de ser mera capacidade cerebral ou cognitiva. A imaginação, para este grande iniciado, é um meio. Um meio que pode conduzir verdades e também coisas vazias. Portanto, como discuti anteriormente, a imaginação do mago deve estar “focada”. Ou seja, ela deve servir como um condutor destas verdades e não como uma passagem irrestrita.
Eu gosto de pensar que só podemos compreender as coisas (usualmente, há exceções) pelo filtro que temos. Temos pelo menos um filtro psíquico (nossa personalidade e nossa trajetória de vida, por exemplo, compõem esse filtro) e um filtro biológico que, no caso, seria o corpo. É evidente que para captarmos qualquer sensação ou visão, precisamos dispor das ferramentas que temos. Aí entra a imaginação, como uma capacidade inata nossa que pode ser afinada para pescar coisas além. Há outras. Por exemplo, os clarividentes conseguem afinar sua visão para enxergar coisas normalmente invisíveis. Em que filtro isso ocorre? No biológico (olhos) ou no psíquico (aquele que observa)? É uma boa pergunta que rende uma excelente discussão, mas que prefiro deixar para outro momento.
Assim, exercitar a imaginação é fundamental para o interessado em magia. Como já alertei antes, exercícios de visualização serão importantes. A prática ritual também será. Além disso, é fundamental que aprendamos a não duvidar da nossa imaginação. É verdade que ao fazermos isso corremos o risco de cairmos na armadilha do louco. O louco vê a face de Deus e não a compreende, mas ele a vê. O mago precisa enxerga-la e (pelos filtros e focos corretos) deve saber encará-la e compreendê-la. Assim, o exercício da imaginação e a valorização desta poderia levar alguém a acreditar em devaneios. Por isso, é preciso ficar atento, saber como lidar com a imaginação e também nunca perder de vista a possibilidade de estarmos em um labirinto.
Tudo na vida exige cuidado. Não conheço nada que não possa nos levar a determinadas armadilhas, que geralmente são armadas por nós mesmos. Por isso, o exercício da cautela e da crítica, na verdade, é um conselho bem batido, mas sempre necessário. O louco (ou tolo) que se perde na sua imaginação não deverá culpar a imaginação por isso, mas apenas a si mesmo, que não soube navegar naquelas águas.
O recado que eu queria dar pode ser resumido, acho, em: Não tenham medo de criar e de viver suas criações. O mago cria quando fala, já dizia Levi. Pensar, esta coisa do imaginar, é meio que um falar pra dentro. Imaginar é meio que um falar por símbolos. A fala é um exercício não da voz (ou será que o mudo não poderia ser um mago?), mas do espírito e acho que podemos concordar que a imaginação é uma faculdade que permeia o espírito também. Portanto, vivamos nossa imaginação. Sejamos mais autênticos nesse sentido. Se nos perdemos em algum devaneio, que saibamos achar o caminho de volta. Ter medo de se perder e ser paralisado por isso é uma tragédia muito maior do que virar um tolo em devaneios. O tolo tentou, mas como poderíamos chamar aquele que sequer ousou? Covarde? Não me parece bom. Acho que melhor seria: não-vivo.
Imagem de intographics por Pixabay
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