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Espiritualidade não é o que você faz.

Espiritualidade não é o que você pratica e conhece. O que o outro faz não é superstição. Espiritualidade não é definida por familiaridade. O estranhamento não é marca de algo ilegítimo. Espiritualidade não é um patrimônio do seu povo – é um elemento estruturante do mundo. Espiritualidade não está na sofisticação.  Ela é irrestrita, variável e extremamente rica. Por isso, não sejamos arrogantes e nem restritivos. O espírito humano é infinito e assim também são suas expressões.


O auxiliar eletrônico de escrita está me dizendo que usei demais o termo “espiritualidade” no parágrafo anterior. Eu sei. Foi de propósito. As máquinas nem sempre pegam o que é do humano. Há sutilezas que só quem tem um espírito é capaz de perceber.

Eduardo, você está desviando do assunto…


É verdade. Voltemos. A senhora velha sem um real no bolso, vivendo numa casa de barro, sem luz elétrica, com água de poço e comendo farinha da mandioca que planta sabe ajoelhar-se e rezar ou ainda pegar certas plantas do cerrado e usá-las para afastar maus-olhados e doenças.  Não podemos ter a arrogância de achar que na casa de classe média alta no bairro rico da cidade grande, o executivo que passa 15 horas por dia ligado no trabalho e que passa as férias nos destinos mais badalados também não tenha sua espiritualidade.


Deixe-me ser direto. Para ser espiritual não precisa nem acreditar em Deus. Espírito é uma coisa, Deus é outra. Espiritualidade é o que afinal? A veneração a um ser divino? Claro que não! A espiritualidade é algo que se faz com o espírito! Com o seu próprio espírito! Ela pode incluir uma tentativa de conexão com algo maior? Pode. Ela pode ser algo que se resume a um exercício focado somente em si mesmo? Claro que pode!

A espiritualidade pertence a uma casta?


Existe a noção equivocada de que a espiritualidade é reservada só aos monges, santos e assemelhados. Então, se você não fez votos ou se não faz jejum ou fica sete horas ajoelhado no milho por dia, você não tem espiritualidade. Quanta bobagem. Um pensador já disse que a religião se dividiu em um corpo especializado e um corpo de leigos. Parece que querem fazer o mesmo com a espiritualidade.


Alguns querem tornar a espiritualidade algo muito especial, mas nada poderia ser mais corriqueiro!  A espiritualidade não é luxo. A espiritualidade não é o que você acha que é.  Ela não é o “conhecimento secreto detido por alguns eleitos”. Ela não é ler o Liber Al e se achar o magão da porra. Ela não é ter um livro das sombras e dizer que é herdeira das bruxas de Salem. Ela não é receber espírito. Ela não é acender vela na encruzilhada. Parem de querer restringir a espiritualidade.

A espiritualidade é uma faculdade humana. Ela é tão simples quanto dar uma caminhada ao ar livre. Ela pode ser complexa e elaborada? Certamente. Ela pode ser tudo. Ela é tudo e por isso mesmo, não é nada disso do que andam vomitando. Talvez alguns me acusem de ser um bricoleur. Bem, talvez eu seja – e daí? O que eu sempre tentarei não ser é aquela pessoa que aponta o dedo e diz – “Ain, isso tem que ser assim”. Por favor, isso só faz sentido (e olhem lá) dentro de determinados contextos litúrgicos. Não custa lembrar que liturgia não é espiritualidade.


Assim, eu termino esse texto mudando ligeiramente o título – espiritualidade não é somente o que você faz. Espiritualidade é um fazer coletivo, amplo e aberto. Todo ser humano é espiritual. E tenho dito.

*Imagem de capa por Okan Caliskan em Pixabay

**Imagem de pessoas reunidas por Joseph Redfield Nino em Pixabay.

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