“É estupidez pedir aos deuses aquilo que se pode conseguir sozinho.”
De fato, será que devemos tanto aos deuses como imaginamos; será que o pensamento “não seria nada sem meus deuses” procede? Será que isso não seria resquícios do cristianismo impregnado em nosso inconsciente fazendo com que tratemos nossos Deuses como seres supremos, inalcançáveis e tiranos? Ou seria, o grande problema, ao meu ver, misturar sacerdócio e bruxaria? Ou ainda, outro grande problema, misturar bruxaria e a psicologia dos arquétipos? O fato é que a cada dia que se passa perdemo-nos nessa confusão de sermos bruxos, bruxas, feiticeiros e assim por diante com uma necessidade imensa de pertencermos aos agrados de um ser superior; o famoso complexo de vira lata que quer se sentir exclusivo e insubstituível.
Veja bem, ao escrever isso não estou dizendo que não possuímos aliados espirituais, muito pelo contrário, uma bruxa é sempre aliada aos seres do mundo invisível; é intrínseco ao nosso ser lidarmos e comungarmos com forças que a humanidade não compreende. Tomem-me como exemplo: possuo um grande apreço por Hécate, Circe, Lilith, Zeus, Mestre Leonardo e alguns outros que pairam sob outras linhagens. Vejo-os e trato-os da mesma maneira que trato meus amigos mais íntimos e amados; procuro cuidar deles da mesma maneira que eles cuidam de mim; vou até eles quando preciso de conselho, ajuda ou simplesmente porque gosto de estar na companhia deles, e isso não quer dizer que eles sempre estarão disponíveis para mim. Aproximei-me deles porque houveram momentos em que estes se aproximaram de mim e num cruzar de olhos, nossas essências afins se reconheceram e despertou-se um interesse mútuo de conhecer um ao outro.
E nesse cortejo, aos poucos, fui me abrindo a essas forças e vice-versa, até o dia em que me dei conta de que tornamo-nos íntimos um do outro e consequentemente havíamos desenvolvido um caminho a ponto de intercedermos um pelo outro. E o que eu quero dizer com isso? Que horas essas forças me ajudavam, mesmo sem eu pedir, e horas eu me via fazendo algo para elas sem que me fosse pedido, por exemplo: lembro-me de um dia em que me senti ameaçado andando pelas ruas de São Paulo; parecia que alguém atrás de mim estava seguindo meus passos e em horas como essas ninguém vai sacar um “kit” feitiço do bolso e montar um patuá de proteção; lembro-me que imediatamente senti um ímpeto de entrar numa loja de departamento e logo em seguida um vendedor veio me atender, o nome dele era Leonardo. (Poderia ser uma coincidência? Poderia.)
Outro momento que posso compartilhar foi um dia no qual estava eu no Petz comprando ração para os gatos e de súbito vi uma orquídea belíssima num tom vermelho terra florida; senti vontade de compra-la e decorar minha casa onde repousa uma imagem que dediquei a Circe. Ela não havia me exigido nada, apenas senti essa vontade e assim fiz.
Entendem melhor o que eu quero dizer sobre nossa relação com as forças divinas? Elas funcionam da mesma forma que as nossas amizades; sem pretensões e com uma ponta de curiosidade sobre aquela outra pessoa que nos faz querer saber mais, conhecer mais e possivelmente interagir mais. Quando começamos uma relação por meio da bajulação visando algo em troca, já começou errado e o fim tende a ser errado também. Não se aproxime de Lilith porque você quer poder; aproxime-se dela porque algo dentro de ti reconheceu parte dela e despertou-te a vontade de criar laços.
“Não temos tanta necessidade da ajuda dos amigos quanto da certeza da sua ajuda.”
Não seja um puxa saco sem noção, isso vale para as suas relações sociais e para suas relações espirituais também. Deuses, seres, entidades, devas, daimons, etc, sabem da grandiosidade de ser quem são. No grande Banquete dos Deuses seja aquele que se senta à mesa pois é convidado por eles e não aquele que os serve incessantemente à espera de atenção.
Honre-os e homenageie-os não só em altares sazonais, eventos e textões do Facebook; mas na maneira como se porta no dia-a-dia e na maneira como se relaciona com a sociedade. Faço-os orgulhosos de serem seus aliados; porque da mesma forma que amizades acabam, também acaba-se o apreço do divino para conosco vez ou outra. Que eles possam ser preenchidos de deleite ao ouvir seus nomes saindo de nossas bocas e não a famigerada “vergonha alheia”.
“A liberdade é o maior fruto da autossuficiência.”
E pra finalizar, não procure o mais popular, o mais poderoso, o mais bonito, o mais famoso, nem nada disso. Permita-se sentir quem está próximo de ti; permita-se conhecer as forças divinas para além do que está nas enciclopédias e eduque-se para vê-las na grandiosidade de ser quem são, Deuses e Deusas que habitam outros planos além do nosso. E para criar uma analogia a essa última frase vou usar de algo bem moderno: preocupe-se mais com aqueles lembram do seu aniversário sem o lembrete do Facebook do que com quantos seguidos você tem no Instagram.
Epícuro ilustrou nossa conversa de hoje porque a sua filosofia incita a busca da felicidade e a desmistificação do medo, através da aponia e da ataraxia que são a ausência de dor e a imperturbabilidade da alma. Logo, nós, bruxas, feiticeiros e tudo mais não tememos, tampouco servimos aos Deuses; mas cultivamos junto a eles o apreço, a amizade, o carinho e o respeito mútuo.
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