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Ensaios: a história, a bruxa e a revolução

Covid, política, agressões, revoluções, injustiças e tragédias. Que ano atípico meus queridos; que ano… Todo o dia ao levantarmos pela manhã somos bombardeados com informações que nos fazem questionar o que é que acontece com o mundo. E essa semana, por um infortúnio, diga-se de passagem, surgiu um novo movimento pelas redes envolvendo bruxaria, feitiçaria, magia e mobilização virtual.


Vejam bem, sou totalmente a favor da mobilização; devemos proteger os nossos a todo custo à medida que nos cabe; mas também acredito que a bruxa é aquela que lança o herói à sua jornada e isso fora discutido certa vez no bate papo da Taberna dos Argonautas. E com isso quero iniciar esse passeio pelo túnel do tempo e repassar com vocês algumas vezes em que a bruxa fez jus ao próprio mito.


1588: As Bruxas do Mar


Um relato inglês conta sobre um almirante britânico, Francis Drake, na época da Armada Espanhola que se juntou a um grupo chamado “Bruxas do Mar” em um promontório chamado “Devil’s Point” próximo ao porto de Plymouth para atacar os navios espanhóis que se aproximavam com um feitiço que invocava tempestades. A Armada Espanhola ficou extremamente desmotivada depois de ser atingida pelo temporal, abandonando a invasão. Dizem que nos dias de nevoeiro em “Devil’s Point”, pode-se ouvir os encantos de Drake e das bruxas desencarnadas até hoje.


1805: Napoleão e as Bruxas de Sussex


Michel Howard conta que em agosto de 1805, as Bruxas de Sussex realizaram um feitiço climático para impedir Napoleão de deixar o porto de Bolonha. Elas invocaram os ventos do sudoeste para prevenirem as invasões de se tornarem realidade. Gardner afirma que membros do Coven “New Forest” lhe contaram que seus antepassados também manipularam a mente de Napoleão para que ele desistisse da ideia. De fato, o grande conquistador desistiu dessa façanha devido ao tempo ruim e à comunicação escassa.


1940: Operação Cone de Poder e Dion Fortune


No verão de 1940, poucas semanas depois de uma fuga dos exércitos britânicos em Dunquerque, na cidade de Highcliffe no sul da Inglaterra, um grupo secreto de bruxas e feiticeiros resolveram fazer o que podiam para defender seu país. Dizem que eles se encontraram em uma floresta antiga antes da meia-noite do dia primeiro de agosto, às vésperas do Festival da Colheita e lá fizeram um ataque mágico à mente de Adolf Hitler por meio de um ritual que ficou conhecido pelo codinome militar de “Operação Cone do Poder”. De acordo com Gardner, esse tipo de feitiçaria era um conhecimento secreto passado através das gerações de bruxas inglesas. Há suposições do envolvimento de sociedades secretas como a Golden Dawn e a Co-Maçonaria nessa operação, mas também há muitos relatos da feitiçaria sendo usada como uma arma de resistência em diversos outros locais simultaneamente. Na mesma época, ocultistas de Londres se juntaram durante a guerra para fazer um trabalho que impedisse a vitória nazista. Esse grupo incluía Dion Fortune e seu grupo, o “Fraternity of the Inner Light”. Eles invocaram potências angélicas durante semanas com o intuito de proteger as ilhas britânicas.


1940-1950: Operação Mistletoe e o Coven de Chilterns


Em uma carta para o célebre Cecil Williamson, Geoffrey Stuart relata um ritual feito no inverno dos anos 40 para invocar Holda, Deusa germânica do inverno, da escuridão e da morte. Foi pedido intervenção para que o bombardeio “The Blitz” cessasse. Já nos anos 50 temos o envolvimento de Williamson com o Serviço de Segurança Britânica, MI5, e com o Serviço Secreto de Inteligência, MI6, na operação chamada de “Mistletoe”. O relato só chegou a público em 1992, causando grande choque com os relatos de Gardner pela similaridade tanto ritualística quanto geográfica.


Os relatos em torno do ritual de Williamson são imensos e pouco puritanos pois destaca-se o sacrifício de livre vontade de alguns dos membros presentes na reunião. O mais velho voluntariou-se para ser o mártir daquele ritual, porém, aquela fora a noite mais fria de maio em muitos anos, terminando no óbito de outros membros durante o trabalho que levou a noite toda. Versões menos credenciadas envolvem também o nome de Aleister Crowley e um suposto herdeiro do grande ocultista da O.T.O. (Para quem se interessa sobre o tema, vou deixar algumas indicações de livros nos quais me baseei para escrever esse texto)


1960 – Reclaiming Collective


Starhawk é um grande nome quando debatemos ativismo pagão moderno. Uma mulher que foi pioneira na luta pelos direitos do meio ambiente e das minorias sociais em São Francisco, no EUA em meados dos anos 60 e que continua a propagar seu trabalho até os dias atuais. Ficou altamente conhecida através da obra “A dança cósmica das Feiticeiras”.


2000(+): Atualidade e o fracasso do legado de Arádia


Chegamos aos dias presentes e em nota pessoal, confesso que me envergonha ver o quanto perdemos dessa herança que nossos ancestrais tanto prezavam, a astúcia e a habilidade de lançar heróis em suas jornadas. A bruxaria deixou de ser aquilo que tanto mudou os caminhos do passado e se tornou um ideal utópico de elevação espiritual onde os novos adeptos acreditam que vão resolver tudo com veganismo, bicarbonato de sódio e gratidão. Desculpem-me pelas duras palavras, mas em tempos como os que estamos vivenciando, não vejo um desenrolar agradável e isso me preocupa mais do que eu gostaria.


E dito isso tudo, vamos relembrar que em 2017 tivemos a grande façanha malsucedida contra as eleições americanas. Donald Trump ganhou e as manchetes sobre bruxas com velas laranjas e cartas de tarot se tornou uma chacota. Tivemos até mesmo a Lana Del Rey se manifestando. Em 2018 enfrentamos no Brasil um grande impasse onde todas as possibilidades se resumiram na “menos pior”. Vi uma ascendente onda de criminalidade envolvendo as bruxas e o único discurso que escutei foi: “o divino vai cuidar disso” e “vamos emanar boas energias”. Eu vi também essas pessoas místicas, e não digo bruxas por um motivo, celebrando a grande violência contra as casas de matrizes africana. E naquela época mesmo me perguntei, o que aconteceu conosco?

Essa semana, em plena crise de 2020, novamente, vi o jovem místico atacar novamente com uma corrente que circulou pelas redes chamando e tentando captar pessoas para um tal feitiço coletivo mais uma vez…


E sem concluir este pensamento que iniciei, quero propor a seguinte reflexão com vocês. Será que é realmente a hora de nos atolarmos de feitiços e correntes virtuais? O que isso, de fato, está trazendo para nós e para os nossos queridos? Será que há algo que possamos fazer cujo impacto será melhor que uma foto compartilhada e uma mensagem de autoajuda mesmo que se torne inviável compartilhá-la em nossas redes?


Vamos nos lembrar que estamos vivendo em tempos de complicações e o melhor que podemos fazer é cuidar daqueles que estão próximo, concedendo esperança, consciência e no muito um ombro amigo. Até que chegue um outro momento para reproduzirmos a história de grandes feitos que tantos lemos.

Leitura recomendada:

– Howard, Michael. Modern Wicca: A History From Gerald Gardner to the Present.

– Bracelin , J. L. Gerald Gardner – Witch.

– King, Francis. Ritual Magic in England.

– King, Francis. The Rites of Modern Occult Magic.

– Patterson, Steve. Cecil Williamson: Book of Witchcraft: A Grimoire of the Museum of Witchcraft.

Créditos da imagem: Ben Jones

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