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A alquimia do artesão

Atualizado: 5 de fev. de 2022



O ano de 2020 ficou marcado pelo início da maior pandemia já enfrentada pela nossa geração. Quando a Covid-19 começou a se espalhar globalmente no início do século XXI. As pessoas precisaram se reeducar a manter o distanciamento social, a aperfeiçoar os hábitos de higiene pessoal e passaram a ficar mais tempo em casa. Por conta da pandemia, fomos forçados a começar um processo de transmutação material.


Muitas pessoas que não estavam habituadas a passar tanto tempo em suas próprias casas, passaram a incorporar em suas rotinas as tarefas domésticas, faxina e a realização de pequenas reformas e reparos residenciais. Sabe aquela prateleira que você prometeu que iria colocar? Aquela vontade de reformar aquele móvel antigo ou de pintar uma das paredes da sala de outra cor? Pois é, no ano de 2020 as pessoas começaram a prestar (e a dar) mais atenção aos seus lares. E então, começamos a cumprir essas promessas e atender a essas vontades.


Rito de passagem do homem moderno


Quando eu era moleque, eu costumava brincar que o rito de passagem à idade adulta do homem moderno era possuir uma furadeira. Na antiguidade, em sociedades tribais, era a primeira caçada que separava os homens dos meninos. Na opinião jocosa do meu eu-lírico adolescente, o cara vira homem ao adquirir uma ferramenta que o habilita a fazer todo tipo de reparo doméstico. Ou seja, serviço de marido ou de pai.

Fotos do marceneiro por Ono Kosuki (Pexels).
Fotos do marceneiro por Ono Kosuki (Pexels)

Ironicamente, foi meu pai quem me presenteou com a minha primeira furadeira, quando eu saí da casa deles para me mudar para outro estado. Hoje, no alto dos meus 33 anos, eu subi de nível e adquiri uma nova furadeira, mais nova, mais potente, com martelete e tudo! Agora sim, cumpri os requisitos do adolescente que eu fui, para me tornar um homem adulto.


E o que tudo isso tem a ver?


Se você chegou até aqui, deve estar se perguntando: “O que raios toda essa ladainha tem a ver com alquimia, magia e espiritualidade? Esse texto deveria mesmo estar no Espelho de Circe? Tá parecendo mais um tutorial de faça-você-mesmo com todas essas imagens. Cancela ele!” Mas, tenha paciência, e vai lendo, que você vai entender.


Em posse da minha nova furadeira, eu queria utilizá-la pela primeira vez para algo que fosse realmente significativo para mim. Quase como um batismo. Para o magista, até essas pequenas coisas, quando imbuídas de propósito e vontade, podem se tornar atos mágicos. 


Eu sou fotógrafo, recentemente lancei um projeto dentro da janela de consagração de Litha, o festival de Solstício de Verão. Por isso, resolvi que iria usar a furadeira para restaurar o meu equipamento de trabalho, com o propósito de que essas ferramentas me permitam fazer um trabalho ainda melhor!


Isso me lembra de um ditado, muito marcante, que o avô da minha esposa – um alemão de mais de 90 anos – sempre fala: “Der schlechter Handwerker schimpft immer auf ihren Handwerkzeugen!”. Que pode ser traduzido como:


O mau artesão sempre põe a culpa nas suas ferramentas!

Eu costumo fotografar sozinho. Porém, quando preciso, eu acabo montando o “meu assistente” para segurar um rebatedor ou o equipamento de iluminação. “Meu assistente” é um conjunto de tripés e garras, dos quais eu havia perdido uma pequena peça plástica no final do ano passado.


A princípio, tentei modelar a peça em adesivo epoxi. Não deu certo!

A primeira tentativa, modelagem em epoxi.
Primeira tentativa de modelagem da peça.

Por isso, resolvi usar a nova furadeira para construir a peça em madeira. Achei uma ripa velha, cheia de farpas, que eu ainda tinha guardada sabe-se lá porquê. 

A matriz, a ripa velha de madeira.
A matriz.

Depois de alguns minutos lixando, modelando, furando… Ou será que foram horas? Eu sou daqueles que perde a noção do tempo e se esquece até de comer quando estou concentrado.

O processo de transmutação de uma lasca de madeira em uma ferramenta.
O processo.

Enfim, consegui restaurar a “mão” do meu assistente. Nas mãos do artesão – ou do alquimista? – até uma lasca disforme de madeira pode se transformar em algo útil.

O resultado, meu equipamento fotográfico totalmente restaurado.
O resultado!

O processo de transmutação material


Para ser capaz de alcançar os grandes objetivos do alquimista – o casamento alquímico, a pedra filosofal e o elixir da longa vida – o estudante precisa começar com o básico: o domínio sobre os 4 elementos. No meu entendimento, esse domínio precisa começar pelo elemento Terra


Do que adianta ter a vontade de promover transmutações mirabolantes nos planos mental, emocional e espiritual se você mal consegue resolver uma parada no plano físico de manifestação? No livro O Artífice (2009), Richard Sennett menciona uma descoberta do enciclopedista Diderot sobre o Limite do Talento:


Não se pode entender intelectualmente um trabalho que não se é capaz de executar bem na prática.

 

Pois bem, não adianta tentar aprender magia, alquimia ou – grosso modo –  qualquer coisa apenas em livros (ou em uma coleção de PDFs). É preciso começar essa jornada pelo plano físico de manifestação, agarrando o touro pelos chifres, para dominar o elemento Terra. Muitas vezes a reforma física precisa preceder a famigerada reforma íntima. O primeiro passo é a prática!


 
Sobre o autor

Kuca Moraes é fotógrafo, estrategista de marketing digital e aprendiz de feiticeiro.

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