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Verbo e Silêncio

Atualizado: 5 de fev. de 2022

“Se não posso romper o silêncio sobre o que me afeta, tampouco posso guardar o silêncio! É, certamente, doloroso pra mim, tomar a palavra, mas também é doloroso calar me: de todos os lados, aflição!” – Ésquilo


Para os oradores gregos o silêncio, em exposição, é preenchido de significado e gravidade. Não interpretado como mera e inocente decisão de nada dizer, por não ter o que dizer, mas como instrumento da eloquência e persuasão. Ora, não são as pausas da melodia o que empresta sentidos além das notas? Assim, no encontro com a pessoa que encara através do espelho, falam , sobre nós e conosco, categoricamente os silêncios que empenhamos.

Não há definição limitante de uma espécie de fala ou de um único tipo de silêncio. Há uma infinidade de realidades no falar e no calar, talvez encontrem significado ao se reconciliarem na ação, quando empenhamos uma fala que cala, como o poder da água que tudo esfria e arrefece, ou um silêncio que fala alto, com o fogo que arde e cria movimento. Desenvolvendo esse princípio do silêncio edificante e compelida a tornar plausível, restando-me apenas o encontro inevitável, escolho criar o paradoxo de falar sobre o calar.


Assim como na música, onde a pausa é um elemento musical, o silêncio empresta beleza e profundidade. Requer desafio, enfrenta o ego tão acostumado à debater se por um lugar ao sol sem sair das sombras. O silêncio escurece às confusas idealizações exteriores e indica um caminho para mundos internos cheios de cor e luz.


O desafio da esfinge, um verbo dedicado aos silêncios, carrega uma perspectiva das fronteiras que esse desafio impõe e transpõe. Pelas colunas fundamentais da magia ocidental o Calar vindica, além do ordinário não falar, a convicção de se fazer entender e empregar a vontade no mundo sem se debater em palavras. Por que é no silêncio que enfrentamos o mais íntimo de nossos pensamentos e a complexidade do que não sabemos de pronto.


De natureza inquietante, o calar é um antidoto para a projeção que distrai de nós e de nossa própria fluidez. Não é portanto um fim em si mesmo, mas um meio, um método de comungar com os desafios que cultivamos. Sem nenhum romantismo, silenciar na contrição, é o animal mais selvagem com qual esbarrei, até agora. Se ouso observar, me obrigo a questionar quem sou, e a qualquer menção de resposta coloco-me a prova, e nada como o silêncio para ferver e esfriar esse teste que só a mim deve prestar contas.


Não posso remeter a primeira lição a nenhuma outra figura do que minha avó, que por finuras do destino chama se Santina, a santa pequenina que repetia em meus momentos de fúria, buscando romper tolamente o que ainda não compreendia: “Na raiva, calada você vence!”. É no fim que retorno à todas as minhas coisas aprendendo novamente lições antigas.


Palavras têm poder, ainda que ditas em voz baixa, e ecoarão para a eternidade criando e alterando a realidade conforme o que falamos ou escolhemos silenciar. A reclamação cobra esforço e empenho, tanto quanto qualquer atividade. Ser grato e generoso com as palavras construirá sabedoria e empatia. Não há necessidade de preencher todo momento vago com palavras, o estado de presença é uma oportunidade de momentos de encanto na simplicidade.


Mais do que grandes trabalhos espirituais de entrega por troca de favores, os sacrifícios imateriais que permitem a oportunidade de ser ouvido pela divindade, verticalizando a magia nossa de cada dia, passam por render se às próprias transformações. Nos vendemos a prestações em troca das ninharias da vida social: sensação de segurança, migalhas de amor, chantagens de inclusão, barganhas de reconhecimento. Mas aqui o sacrifício reclama os acessórios de sobrevivência que julgávamos tão necessários, inclusive discursos e desculpas infindáveis de defesa e acusação.


Como primeiro resultado, de relance me enxerguei no espelho, surpresa por ver a pessoa atrás de meus olhos, e em meio ao prazer e a comicidade, me mandei um beijinho e uma piscadela. Do outro lado do espelho eu sou complexa e comum. Isso nada ou pouco tem a ver com autoconfiança dentro da sua caixinha tão batida, mas desfruta de um estado de equilíbrio dinâmico onde é finalmente possível ser eu.





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