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Uma vela para deus e uma vela para o diabo

O mundo em que vivemos é pautado por dicotomias ou, como preferimos chamar por essas bandas, polaridades.  Ativo e passivo. Quente e frio e por aí vai. Eu poderia colocar aqui o bem e o mal, mas será que o mal realmente existe? Eu puxo o nosso velho amigo, Santo Agostinho, que se debruçou (dentre muitos) sobre a origem do mal. Em um resumo bem pobre meu, podemos dizer: ele entende que o mal vem do homem pelo uso do seu livre arbítrio, sendo então, uma invenção do homem.


Porém, lembremos a história do anjo rebelde e aí puxemos Anselmo de Aosta (Santo Anselmo). O camarada Anselmo vai se perguntar: ora, como deus permitiu que o anjo fosse tomado pela corrupção? Anselmo vai (também estou resumindo e reduzindo) dizer que tudo que a criatura tem provém de deus e se alguém cai, pois lhe faltou perseverança, então deus não lhe deu perseverança – mas agora entra o “pulo do gato”, não é que deus, perfeito, não tenha realmente falhado, foi a criatura, imperfeita, que não recebeu os dons completos de deus.  Ou seja, a queda, teria sido resultado de uma recusa de receber tudo de bom e de divino que deus ofertara.

A Escada Divina Sobe e Desce?


Assim, para alcançar os dons divinos é preciso querer e agir nesse querer. Aliás, o querer pressupõe, de fato, fazer acontecer. Aquele que “quer”, mas nada faz, falha em seu objetivo (Santo Anselmo já cantava essa pedra). Para querer é preciso saber o que querer – querer o abstrato é o mesmo que nada. É necessário delinear o objetivo. O problema então fica sendo: como querer deus se ele é incompreensível em seus mistérios?


Procuremos então o que podemos entender de deus – e o que seria? Seu opositor é um bom lugar. Lembremo-nos das polaridades. Se eu não posso ver deus, posso ver a falta dele. Onde falta deus? Se seguirmos Anselmo, onde eu deixei de receber seus dons. Vamos pensar nisso e meditar sobre como é importante escutar a quem realmente não quis receber essas ofertas e, por isso, pode justamente nos ensinar como são perdidas essas oportunidades.

Uma Relação Complexa


Falar do dom divino implica em dizer que se deus nos oferece algo e nós aceitamos, estabelece-se uma relação de certa dependência, algo na linha de Mauss. Portanto, se vamos aos que não aceitaram os dons de deus e aprendemos com ele, não nos dão eles mesmos presentes e ofertas? Essa relação torna-se mais complexa e de dupla dependência. É preciso reconhecer, portanto, que na condição humana, precisamos tatear nas trevas para conseguirmos saber, então, o que é luz.


Será que isso significa que precisamos aspirar a todos os dons divinos? Talvez seja exagero e uma negação da própria condição humana deixarmos de aproveitar o fato de que, sendo imperfeitos por natureza, podemos, até mesmo, nos divertir com isso. A obsessão em se atingir uma plenitude incognoscível pode bem ser o mesmo que loucura. Viver plenamente as descobertas de novos virtudes e vícios parece-me apenas ser humano em demasiado – e isso é bom.

*Imagem por Pexels.

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