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Uma Crônica Culinária

Foto do escritor: Eduardo RegisEduardo Regis

No dia em que o Papa morreu, estava num ônibus abafado passando por cima de São Cristóvão quando entrou um senhor (pela porta de saída) e começou a berrar:


“Vou morrer eu, vai morrer você. Até o Papa morreu. Todo mundo vai pro buraco!”

Depois de gritar isso umas quarenta vezes, ele anunciou que ficaria no ponto do cemitério. Alguém (um mais engraçadinho) perguntou o que ele faria lá e a resposta foi:


“Vou almoçar”.

Desde então, sempre imaginei que ele entraria no cemitério, escolheria uma sepultura fresca e com a calma de um escultor renascentista, arrancaria o tampo de cimento, chegaria ao caixão, que também abriria com habilidade e fineza, e então se banquetearia da carne rígida de algum cadáver. Com talheres, claro.

Fico pensando se o sonho dele não era ir ao Vaticano devorar o Papa. Não temos Papa aqui, mas se ele fosse paciente, podia devorar um Cardeal. Talvez carne de sacerdote seja boa pro coração. A língua deve ser fibrosa, penso, de tanto falar latim. Carne de pitboy deve ser dura. Já a dos gerentes de banco, mole. Talvez o cérebro de cientistas sejam indigestos, mas não o de senhorinhas que passam os dias a tricotar a vida alheia. E o que seria bom para acompanhar? 

Vinho tinto é batido. Imagino que Underberg, para a digestão.

A sobremesa, ignoro qual seria. Se há partes doces em pessoas, nunca as conheci. 

Depois disso, sempre que pegava o ônibus ficava atento. Ansiava por encontrar novamente o devorador de corpos, mas nunca mais o vi. Talvez a polícia o tenha capturado. Pode ser que os coveiros, fartos de sua bagunça, o tenham “apagado”. 

É possível também que a carne de uma vítima de envenenamento o tenha vencido. Fico triste ao pensar naquele homem. Não por ele, que parecia feliz ao declarar que almoçaria no cemitério. Fico triste por mim, que nunca fiz algo tão interessante quanto bater uma boquinha sentado em túmulo. Sempre me alimento em cadeiras ou até em pé. Às vezes em casa, outras nos restaurantes, como todo mundo mais faz.

Talvez um dia eu me inspire nele e leve uma quentinha ao cemitério. Porém, não vou de ônibus, que anda insuportável. Vou de Uber. Vale mais a pena. Será que me deixariam esquentar um PF de frango à milanesa no crematório?

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