“Tornar-se mais consciente é seu direito de nascimento. Negar a qualquer um o acesso a qualquer faceta da realidade em nome de religião, ciência, medicina ou lei não serve nem ao indivíduo nem à sociedade.” – *James Fadiman, PH.D.
No artigo anterior procurei retirar o véu do preconceito sobre o uso dos enteógenos como meio de exploração intelectual e filosófica. Apontei bem sutilmente uma direção mística, à qual pretendo explorar neste artigo em duas partes. Na primeira parte, sigo na direção da minha própria experiência com os cogumelos e na razão para que eu tomasse este salto de fé. Na segunda parte, quero explorar a importância do trabalho que envolve uma boa experiência com enteogênicos.
Entendendo o mito
Poucos bruxos modernos dão muita atenção ao reino dos fungos, que não é nem o reino vegetal nem o animal. Este é um reino por si próprio, o Reino Fungi.
Cogumelos sempre estimularam a imaginação humana porque eles sempre pareceram seres estranhos. Na Europa, vários nomes foram atribuídos às formações circulares que geralmente os fungos tomam, “anéis de elfos”, “anéis de fadas”, “pixie ring”, “hexenring” (anel de bruxa) ou ainda “lugar de dança élfica”. Às vezes os cogumelos eram chamados de “elf stools”, ou “banquinhos de elfos”. Várias lendas folclóricas mencionam estes locais em músicas, estórias e poemas.
Aqui não falamos somente do tipo de cogumelo Amanita muscaria ou Amanita pantherina[2] que, diz a lenda, eram sagradas a Odin, aos seus berserkers e ao Deus Corvo (a amanita era também chamada de pão de corvo), mas também do tipo Psilocybe que cresce em florestas europeias e do Claviceps Purpurea, um fungo que nascia em grãos de centeio na Europa, que era usado para induzir o trabalho de parto pelas parteiras alemãs[3] na Idade Média e que nos trouxe uma síntese relativamente segura para o consumo no LSD.
Os cogumelos mágicos foram usados pelos celtas[4], astecas, curandeiros mazatecas, na cultura pré-colombiana, entre escandinavos, entre os gregos[5], bem como também surgem em petroglifos na Algeria e no sudeste da América do Norte descrevendo cenas xamânicas. Ídolos hititas tinham a aparência de cogumelos antropomorfizados, assim como os kuda-kallu indianos. Até no Japão podemos encontrar lendas ligando os cogumelos a seres feéricos, os tengus, um tipo de goblin narigudo. Podemos dizer que é então um enteógeno global por excelência.
Hoje em dia o uso de cogumelos em círculos rituais, cerimoniais e círculos de cura é muito mais comum do que se pensa[6], e inclui também outros tipos de substâncias psicoativas (como LSD, MDMA). A cultura enteogênica é descentralizada, anárquica e transcende limites religiosos, cognitivos e políticos, que lembra bem os próprios cogumelos: uma rede subterrânea de raízes entrelaçadas. Eles trouxeram um culto espiritual específico, bem similar aos cultos de peyote da Igreja Nativo Americana e movimentos similares[7].
Os cogumelos mágicos não podem ser consumidos diariamente[8]. Pelo contrário, se consumido mais do que uma vez por semana, o usuário desenvolverá rapidamente uma grande tolerância. O mesmo ocorre com o LSD. O maior perigo dos cogumelos é o de confundi-los com cogumelos venenosos que podem ser muito parecidos à primeira vista. No Brasil, estes cogumelos crescem geralmente sobre o estrume da vaca e são do tipo Psilocybe cubensis or panaeolus, e embora seu consumo seja “proibido”, a venda e cultivo não são proibidos.
É preciso que eu me repita neste momento: psicodélicos precisam ser abordados com reverência e cuidado. Em um contexto amoroso, eles podem ser remédios para a alma, mas há uma porção de precauções físicas e psicológicas que as pessoas devem tomar antes de se aventurar neste mundo. Nas mãos erradas com intenções erradas, com orientações erradas e configurações erradas, psicodélicos são extremamente perigosos.
Eu não estou dizendo que você deva tomar, mas gostaria que você entendesse por que as pessoas tomam.
Se você não está preparado para confrontar seu abismo, por favor, fique longe dos enteógenos.
Eu poderia ainda citar mil referências (sacrifiquei várias para que este artigo não ficasse imenso). Quando eu encontrei os cogumelos eu estudei tudo o que havia disponível sobre eles e todos os outros enteógenos que se descortinaram durante os meus estudos. Agora talvez seja o momento de falar um pouco sobre as relações e experiências. No próximo artigo, vou falar um pouco de controle de danos e um pouco sobre a jornada enteogênica.
As relações com a Bruxaria (além das evidentes)
1 – A Bruxa é indomável porque ela não cabe no seu mundo
Bruxaria é um termo amplo para uma série de práticas naturais que envolvem forças supranaturais. Isso significa que em parte as leis da Natureza se aplicam, e em parte é matéria de crença em algo superior a estas forças. Mas isso é tão estranho quanto qualquer um que saiba como servir um chá e uma oração. Este termo tem sido adotado nos nossos dias como uma necessária lembrança das injustiças cometidas contra todos que não cabiam – e não cabem – nos modelos das sociedades governadas pelo terror. Judeus em terras de cristãos foram acusados de serem bruxos. Católicos em terras de protestantes foram acusados de serem bruxos. Mas especificamente foi – e é a mulher mais acusada de ser bruxa. Aquela que desde a maldita maçã edênica passou a ser culpada por todos os males do mundo, diziam eles. Aquela que fez os anjos caírem de amores, diziam eles. E foram eles mesmos que se tornaram imortais no ódio e na separação que comemos no pão nosso de cada dia. A bruxa sempre representou uma ameaça selvagem à ordem do mundo civilizado.
2 – Sabbath ou Missa Negra
Tudo começa com uma história de que certas pessoas se encontrariam para celebrar seus ritos satânicos visando o mal do povo, formando novas alianças com o Diabo. Mas tudo o que acontecia era o povo celebrando algo, ou simplesmente respirando um pouco, regando suas paixões com alguma beberagem, de preferência longe dos olhos dos preconceituosos e da Igreja (e esta, sempre ávida em condenar, matar e se apropriar do que é dos outros). Como os comuns acusados eram mulheres e judeus, isso logo ganhou um contorno de um culto proibido e a nomenclatura que remetia ao dia de descanso dos judeus. O sábado. Shabāt. O diabo, ou qualquer deus, qualquer um que tivesse sexo evidente (ou chifre que representasse evidente masculinidade), pois esta terra governada por um deus do deserto deveria, e ainda é, dominada pela rédea do sexo e do medo da morte. Eros e Tânatos. Vênus e Saturno. Porque um é a cura e a salvação do outro.
Para o crente, o prazer é condenado em nome de um paraíso do qual ninguém volta para contar. A morte, um fim.
Para a bruxa, muitas mortes e muitos renascimentos. Cavalgar tempestades, circular o vórtex abaixo e acima. Com calma, com Arte. Com uma força que não se vê, se sente, se faz presente. Sobe pelas vinhas e desce em fractais.
E foi assim que tomei meu primeiro par de cogumelos.
Notas:
* – The Psychedelic Explorer’s Guide – Safe, Therapeutic , and Sacred Journey’s. James Fadiman, PH.D., Park Street Press.
[1] The Encyclopedia of Psychoactive Plants –pgs. 1131-1132
[2] Era também conhecido como “cogumelo careca”.
[3] Rockenmutter/mutter-korn [mãe centeio], todtenkorn [grão morte], tollkorn [grão louco] são bem indicativos de efeitos e usos deste fungo antes da descoberta do LSD.
[4] Cf: Mabinogion, Markale 1999, 143* “He [Gwyddyon] then resorted to his skills and began to demonstrate the power of his magic. He made appear a dozen stallions, twelve black hunting dogs . . . twelve golden bucklers. These shields were mushrooms that he had transformed.”
[5] Em Aristofanes, há uma alusão a um culto de cogumelos e o filósofo Sócrates:
Amidst the shade-foots,
there is a certain swamp
where Socrates, unwashed,
summons up souls.
Amongst his clients came Peisander,
who begged to see a spirit that had forsaken him
while he remained alive. (1553 ff.)
[6] Rätsch 1996
[7] La Barre 1979
[8] Há um aforismo popular que declara “Marijuana is our daily bread, mushrooms the uncommon feast.” – “Maconha é nosso pão diário, cogumelos a festa incomum”.
[9] Sir Francis Bacon (1561–1626) chegou a mencionar que “as bruxas acreditavam que elas faziam o que elas não faziam, transformando-se em outros corpos, não por encantamentos ou cerimônias, mas por unguentos e ao se ungir com eles”.
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