Confesso que não foi sem esforço que assisti à primeira temporada completa de “Desalma”. Eu poderia classificar a série apenas como irregular, mas há elementos demais que não funcionam e, portanto, devo dizer que ela é verdadeiramente ruim. Segue comigo, meu espelhado, e eu te conto minhas impressões.
Um Brasil Gigante
A decisão de Ana Paula Maia de colocar a trama em uma cidadezinha de colonização Ucraniana pode parecer, em um primeiro momento, mero artifício para “Europizar” a série. Entretanto, verdade seja dita, isso também é o Brasil. Impossível não pensarmos nas cidades do Sul de colonização Alemã, como Pomerode, que em alguns momentos mais parecem a Alemanha, de fato, do que o nosso país.
Assim, quando mergulhamos na cultura daquela cidade pequena, mas repleta de pessoas que não sabem bem o seu lugar no mundo, isso nos conta um pouco também sobre a própria formação do Brasil. No fundo, acaba sendo um recurso interessante, pois permite que se faça um tipo de terror que não encontraria terreno tão fértil em outros cenários.
Lovecraft Agradece
Além disso, a pequena cidade que parece existir fora do tempo e do espaço, cercada de lendas e de pessoas estranhas na qual um estrangeiro se vê jogado é, por excelência, um palco Lovecraftiano.
A abundância do elemento água na série também parece apontar para uma inspiração em Lovecraft. Não só isso, porém. Há toda uma estranheza na própria composição da cidade, que parece apagada, apesar das fantasias coloridas e das danças exageradas. É como se todos ali vivessem sempre sob a pressão de uma tragédia prestes a acontecer.
A tragédia nuclear de Chernobyl é constantemente rememorada. Bem como a guerra, a fome, o frio, os terremotos. O elemento principal desses fatores é mais do que sofrimento, é medo. O povo de Brígida é um povo amedrontado. Eles tem medo do que passou e do que se passará.
Impossível também não se lembrar do superestimado filme “Midsommar”. Uma comunidade pequena com rituais tradicionais e que esconde segredos terríveis. Bem, vocês já viram essa história mais de mil vezes…
A Trama, Porém…
O misterioso suicídio de Roman e a chegada de Giovana, Emily e Melissa à Brígida disparam uma série de acontecimentos que levarão à conclusão de um capítulo macabro da cidade. Sem entregar nenhum spoiler, cabe dizer que a trama se desenrola sem ritmo, sem fio e, muitas vezes, sem lógica.
Passamos talvez seis episódios (de dez) sendo enrolados. Personagens que conhecem segredos, quase contam, mas desistem. Coisas estranhas acontecem, mas que não levam a lugar nenhum. A sensação é de que o roteiro só funciona para tentar dar alguns sustos e para tentar compor o mistério – mas é tudo feito artificialmente.
A aliança roteiro + direção também parece só querer saber disso. Há o garotinho sinistro. Há a bruxa esquisita. Entretanto, a gente não sabe bem quem são essas pessoas. Quem era o Anatoli antes de ser assombrado? Quem é essa bruxa? O que a motiva? Ela parece estar apenas sempre pronta para movimentar o roteiro, mas nunca toma contornos mais sólidos.
Isso pode ser dito de outras personagens. Aleksey, por exemplo, nunca passa de um maluco beberrão. Ora, isso só serve para diminuir o impacto dos seus atos. Ainda, de onde surge o segredo que motiva o crime que gira a trama? Não há qualquer indicação desse segredo em nenhum momento anterior a sua revelação (ou se há, eu perdi). Por qual razão exatamente certa personagem é mantida prisioneira?
O ritmo melhora um pouco nos episódios finais. A série ganha mais velocidade, as personagens se tornam mais assertivas e se revelam com mais propriedade. Parece que como há de se entregar um final, é preciso, finalmente, apresentar os fatos. Finalmente, “Desalma” começa a entreter. Porém, para mim, já era meio que tarde demais…
…Podia ser melhor.
Como escrevi, uma trama em uma cidade pequena repleta de segredos e envolvendo uma bruxa não é algo que seja exatamente desconhecido, por isso, tinham que se dar uma caprichada aí nesses elementos. Infelizmente, acho que ficou tudo dentro do esperado. Que fique claro que a história não é ruim propriamente. Ana Paula Maia é uma escritora muito competente, mas faltou um tempero a mais no roteiro de “Desalma”.
A Atuação Então…
Se eu posso entender a razão do ritmo ser irregular e da trama não ser surpreendente (está na cara desde o início o que realmente aconteceu, com algumas poucas boas sacadas realmente imprevisíveis), não dá para compreender a atuação e a direção de atores. Verdade seja dita, o roteiro não ajuda. As falas são expositivas demais muitas vezes. Soam artificiais. Isso, é claro, atrapalha, mas não podemos culpar as palavras por tudo.
Os atores parecem todos estarem imitando Bela Lugosi. Sempre soturnos. Sempre falando rispidamente. Parece uma fita de terror ruim dos anos 70. Claudia Abreu e Maria Ribeiro conseguem entregar atuações mais verdadeiras. A geralmente competente Cássia Kiss tem seus momentos, mas também se afunda na lama da imitação barata de Boris Karloff. Em diversos episódios esperei que Vincent Price ou que o nosso genial Zé do Caixão surgisse ao fundo, entregando de vez que estávamos mesmo assistindo uma fita da Hammer, só que mais mal feita.
Os atores coadjuvantes em geral são todos lamentáveis. As crianças, também. Em uma determinada cena no consultório de uma psiquiatra, quase desliguei e desisti de vez da série. Para o meu desespero, a psiquiatra bizarra parece que terá mais vez na próxima temporada (que salvo engano foi confirmada já).
Honestamente, isso foi o pior da série para mim. Tivesse a série entregado atuações boas, acho que metade dos outros problemas (ou mais) poderiam ser perdoados.
No Fim… Não Recomendo!
É isso, meus espelhados. Se eu tivesse que dar um conselho sobre a série seria: passem. As atuações são ruins demais. A trama não é isso tudo também. Apesar de contar com bela cenografia e boa fotografia e com uma produção que mais acerta do que erra (apesar da inverossímil festa de cidade pequena com DJ, pirotecnias e sei lá mais o que), é duro ver os atores como androides recitando falas como se fossem jogadores de RPG numa sessão bem duvidosa.
Espero que na segunda temporada tenhamos uma série mais madura e melhor! Certamente há espaço para melhoras e, apesar de tudo, ver produções nacionais se estendendo até os recantos do terror e do sobrenatural é sempre interessante. Por isso, ao contrário do que possa parecer, mesmo uma temporada ruim e dispensável como essa é, no fim das contas, boa notícia.
Ah, mas, poxa, e a Bruxaria?
Antes de ir embora… tem bruxaria? Tem, sim. É bacana? Não.
Eu tô sendo chato, eu sei. Não é que seja ruim, mas me parece que foi mal aproveitada. A bruxaria na série parece que só serve mesmo como bicho papão. Assusta aqui e ali e pronto. A gente até testemunha a bruxa fazendo umas coisas, mas, no fundo, não há muita exploração do universo bruxo. Não sabemos bem no que elas acreditam, o que cultuam e nem como a magia funciona.
Um bom exemplo é o altar da personagem de Cássia Kiss. Ela tem um belo altar na sala dela, com algumas figuras interessantes, mas nunca sabemos o que são e qual a relação dela com essas coisas. Só aprendemos que “magia é simples”, que “água é o maior condutor mágico” e que as bruxas de Brígida provavelmente curtem a natureza.
Há uma cena (veja a imagem acima) de um Sabá, mas fica só para assustar os garotos da cidade. Mencionam que ela faz um vôo astral (com o famoso unguento, talvez), mas acaba aí a história. Parece que a bruxaria na série fica num eterno “Opa, agora vamos ver como isso funciona” e nada…
É possível que talvez estivessem guardando isso para temporadas futuras, mas não acredito nisso. Parece-me mesmo que quiseram deixar tudo misterioso demais. Miraram no segredo e acertaram no desinteresse.
Nota Final: 2 Almas Penadas (de 5).
*Todas as imagens são cenas da série “Desalma”.
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