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Para começo de conversa

Dias atrás, fui procurado por uma mulher pedindo que eu deitasse as cartas para ela. Olhos arregalados, voz trêmula, ela torcia as mãos, angustiada, enquanto tentava expor seu problema.


O motivo da sua aflição – e decepção – é que havia procurado um famoso tarólogo que, tendo papagaiado por mais de uma hora sem parar, não conseguiu responder à sua dúvida muito concreta: por que seu marido vinha chegando altas horas da noite em casa, embora seu expediente profissional se encerrasse no fim da tarde? Ela não estava nem um pouco convencida de que, de uma hora para outra, o patrão o estivesse obrigando a fazer tantos serões.


Ela me contou que o tarólogo, que preferia ser chamado de “tarosofista”, lhe dissera que seu momento interior era de fragilidade e desamor, que sua anima estava enfraquecida e que, por isso mesmo, seu marido vinha buscando, externamente, o necessário equilíbrio feminino ao seu animus. Recomendou que ela meditasse numa tal de carta da Força, mas não entendeu porque raios aquela mulher com cara de sonsa, que abria a boca de um leão, seria importante na solução do seu problema. Por fim, ofereceu a ela uma fórmula de florais (seria chá de flores?) e um negócio esquisito de “realinhamento energético” num treco mais estranho ainda chamado “mesa radiônica quântica” ou coisa que o valha.


Eu, que também não entendo nada do blá-blá-blá dessa gente metida a chique que gosta de ser chamada de “tarólogo”, “tarosofista”, “tarotista” e outros “istas”, logo saquei do meu surrado baralho de cartas já amareladas pelo tempo, o mesmo que uso para jogar pôquer à moda da Louisiana, e comecei a pôr as cartas na mesa.


Minha gente, a resposta era tão simples! O marido da cliente havia se engraçado com um rabo de saia, um mulherão daqueles de fechar o comércio, e estava passando seus finais de tarde bebendo com ela num boteco. E o que ela devia fazer a respeito? Ora, sendo bem franco, o marido estava buscando fora de casa o que não tinha dentro dela. Que a mulher se ajeitasse, ficasse bem bonita, se aproximasse do marido e bem… Fizesse o que toda mulher sabe fazer com maestria!


Será que um “tarosofista” não consegue ver uma coisa banal dessas no seu jogo? Ou será possível que essas cartas bonitas, importadas da Europa, só falam por enigmas e generalidades pseudo-eruditas, à semelhança daqueles psicólogos de botequim que começam a falar de tudo e de nada ao mesmo tempo assim que molham a goela com uma boa dose de Hurrycane?


Fico aqui pensando na companhia dos meus “amigos do outro lado” … Onde foi que essa gente perdeu a magia das cartas? Ou não sabem que ler cartas é magia das boas e das mais antigas?


Sorte a minha que a Old Aunt Sally tenha me ensinado o bom e velho método sulista de deitar as cartas… Ela não me ensinou a ver nas cartas se o consulente está passando por um “processo interno de reconexão com o seu eu mais profundo”. Também nunca me falou sobre esse tal psicólogo suíço (ou seria alemão?) chamado Jung. Ah, mas ela me ensinou a ver tudo que as cartas podem dizer, tim-tim por tim-tim, com detalhes de deixar qualquer um de queixo caído! Como ensinou!


Fiquei com pena dos meus amigos cartomantes que, ainda por cima, têm vergonha de se assumirem como tais… Afinal, não somos todos nós leitores de cartas? E tive então uma ideia: que tal se eu tentasse redimir a minha imagem de vilão (ah, aquele maldito filme infantil…) conversando um pouco sobre o que aprendi com as cartas ao longo dos últimos anos? Jogar conversa fora sobre elas, quem sabe, poderia quebrar um pouco do preconceito deles, fazendo-os sentir-se à vontade para pensar na coisa toda como se estivéssemos numa mesa de prosa bem animada.


Gostaram da ideia? Pois é isso que eu vou fazer nestas crônicas. Sentem-se, relaxem e vamos falar sobre cartas. Sobretudo, vamos brincar com elas.


E antes que vocês pensem que tenho algo contra o tarô, não se enganem: essas cartas misteriosas têm sido minhas fieis companheiras há mais de duas décadas. Meu problema não é com elas. É com os tais “tarosofistas” …


Ah, para quem não sabe, Hurrycane é a bebida mais típica de New Orleans. Feita de rum, suco de frutas e granadina, somos tão apaixonados por ela que nem mesmo o Katrina conseguiu mudar o nome do drink, embora, convenhamos, hoje ele soe um pouco mal…


E da próxima vez que quiserem saber como Jung interpretaria seus problemas, procurem um bom psicólogo!


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