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Foto do escritorHumberto Maggi

O Mago e a Ciência

O nosso Zeitgeist é o mais complexo que houve, e essa complexidade é resultado direto da grande guinada causada pela Revolução Científica dos séculos XVI, XVII e XVIII, que nos levou da Roda à Lua. Eu, aqui em Africa, escrevendo em um computador palavras que podem ser imediatamente lidas em todo o Mundo, me dou conta de que hoje vivo no meu futuro.


Esse avanço científico criou as condições para uma popularização da Magia que nunca existiu antes. A Antiguidade Greco-Romana, embora tenha criado as condições para a elaboração de um grande sincretismo mágico dentro das fronteiras da Pax Romana, tinha uma atitude conflituosa com a Magia que podemos, por exemplo, apreciar no processo movido contra o filósofo Apuleio no século II DC. Com a ascensão do Cristianismo a oposição contra a Magia atinge novos patamares de histeria, e textos cristãos como a Confissão de São Cipriano reelaboram o mago como uma figura imoral e criminosa.


A primeira imagem mais positiva do Mago no Ocidente Medieval surge no século XII com o Merlim de Geoffrey de Monmouth, possivelmente inspirada em parte na figura mais antiga do Rei Salomão. De acordo com o pensamento Cristão, os poderes mágicos de Merlim ainda são de natureza essencialmente diabólica pois ele é, em várias versões da lenda, filho de um demônio. Mas, esse personagem apareceu sob uma luz positiva e estabeleceu o modelo que até hoje inspira personagens como Gandalf e Dumbledore.


Gandalf e Dumbledore são os melhores exemplos contemporãneos de um fenômeno bem mais amplo que populariza a Magia positivamente; os grande veículos da mídia popular de hoje, quadrinhos, tv e cinema, estão repletos de heróis mágicos como o Doutor Estranho. Esse fenômeno cultural tem sua faceta séria no grande número de autores e publicações de todo o tipo que tratam sobre Magia e temas afins; nunca se escreveu e publicou tanto sobre esses temas. A represa da censura religiosa arrebentou e por mais que alguns setores retrógrados da sociedade tentem, e até consigam de vez em quando obter algum sucesso, já não é possível reverter o Ocidente ao seu estágio medieval.


Paradoxalmente, internamente a Magia ainda se beneficia pouco dos avanços científicos; apesar da proposta científica que encontramos, por exemplo, nos escritos de Aleister Crowley, transpor o Método da Ciência para a praxis da Magia não é algo fácil.


Uma comparação útil aqui é entre Magia e Medicina, disciplinas irmãs que sempre andaram tão próximas que muitas vezes eram indistintas entre si. A Medicina seguindo o método científico abandonou toda uma série de conceitos que não traziam resultados porque se apoiavam em descrições da realidade que se descobriu serem erradas; seu progresso é notável. Mas, a Magia continua, mesmo que sob uma ótica simbólica, aderindo às mesmas ideias herdadas da Antiguidade e da Idade Média. Os métodos propostos pelos autores de grimórios, que partilhavam dessa visão de mundo equivocada pela crença, por exemplo, para muitos devem ser reproduzidos hoje o mais fielmente possível. Parece que a ideia de progresso levando ao sucesso é descartada a favor da repetição de regras cujos resultados obtidos por seus autores de fato desconhecemos.


Bem cedo eu entendi que, para poder repensar a prática mágica, é necessário abrir mão de todos esses conceitos herdados da Filosofia e da Religião e se aproximar dos fenômenos mágicos a partir da experiência direta e, em um segundo momento, tentar a partir dos resultados tirar conclusões e propor possíveis explicações. Infelizmente, isso não é fácil como parece.


Um dos grandes obstáculos em se fazer uma ciência da Magia é que um dos critérios fundamentais é que uma experiência possa ser repetida, para que se comprove seus resultados. Isso é quase impossível em Magia; os elementos chaves de uma operação mágica, a saber, o Mago, o Tempo e o Lugar, não podem ser recuperados como, por exemplo, em uma experiência química. Parafraseando Heráclito, um mesmo Mago não pode fazer uma mesma magia duas vezes. O mesmo Mago, no mesmo Lugar, repetindo convenções como o Dia, a Hora ou a Lua, ou mesmo (mais dificilmente) alguma configuração astrológica, não irá obter idênticos resultados. Mais ainda, se algum desses fatores se altera, o praticante em si sendo o mais importante deles, com certeza a experiência não se repete de forma idêntica. Aquilo que, certa vez em certo lugar, funcionou para mim, pode não funcionar ou ter efeitos bem diferentes com outras pessoas.


Alguns denominadores em comum têm sido aceitos, mesmo pelas “ciências oficiais”; que práticas mágicas e meditativas causam alterações na percepção humana, e mesmo na estrutura do cérebro quando praticadas com constãncia, por exemplo, é hoje comprovado pelas neurociências.


Embora a capacidade científica ainda só é suficiente para vislumbrar uma superfície dura demais, eu considero que pensar cientificamente é o melhor método para se aproximar dos fenômenos mágicos com uma mente aberta e sem o peso de velhas superstições. E termino estes pensamentos citando aquele bem conhecido trecho das instruções deixadas por Aleister Crowley:

1. Este livro é muito fácil de ser mal entendido; pede-se aos leitores que usem os cuidados críticos mais minuciosos no seu estudo, assim como fizemos em sua preparação.

2. Neste livro, fala-se das Sephiroth e dos Caminhos; de Espíritos e Conjurações; de Deuses, Esferas, Planos e muitas outras coisas que podem ou não existir.

É imaterial se estes existem ou não. Fazendo certas coisas, certos resultados se seguirão; os alunos são sinceramente advertidos contra a atribuição de realidade objetiva ou validade filosófica a qualquer um deles.

3. As vantagens a serem obtidas com eles são principalmente as seguintes:

(a) Um alargamento do horizonte da mente.

(b) Uma melhoria do controle da mente.

Crédito da imagem: alamy stock photo

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