Na antiga costa do ouro havia uma figura divina e mítica trapaceira cujo nome literalmente significava “aranha”. Estou falando de Anansi, que ficou famoso pela recente interpretação majestosa de Orlando Jones. Afinal, quem é o homem-aranha dos Axantes?
Para os Axantes, do grupo dos Acãs, a aranha é um símbolo de sabedoria. Eu consigo imaginar diversas razões para isso. Por exemplo, a construção da simetria majestosa da teia é um ato que requer não só habilidade, mas um conhecimento inato ímpar. Além disso, a aranha é uma caçadora voraz e eficaz. Construir uma armadilha e ficar à espreita são táticas que pedem por paciência e senso de oportunidade.
Anansi: um deus ou um elemento estruturante do universo?
Emily Zobell Marshall vai nos dizer que há poucas evidências de que Anansi fosse cultuado com os demais deuses, o que provavelmente o coloca como um intermediário entre os deuses e os homens – uma figura no “entre”. Isso, porém, não tira importância dele. Talvez, na verdade, demonstre o como ele era central.
Sendo essa figura de “vai e vem”, Anansi é quem traz para os homens diversas coisas importantes: como as histórias e a sapiência. Entretanto, Anansi também é egoísta e pouco confiável e com frequência quebra todas as regras de convivência. A questão é: como equilibrar essas faces tão díspares?
Aparentemente, Anansi era utilizado nas histórias para que os próprios Axantes pudessem quebrar suas regras sociais de maneira “aceita”. Ou seja, por meio das histórias de Anansi, as pessoas faziam críticas ou davam aquela famosa “indireta”, que normalmente seria considerada rude. Entretanto, como era Anansi quem estava falando, a má conduta já era esperada e, assim, relevada.
Anansi, então, se apresenta, de fato, como um elemento estruturante do universo. Não só do cosmos, mas também do universo social.
Anansi no novo mundo
Como muitos outros deuses da África, Anansi vem ao novo mundo junto dos escravos. Principalmente na Jamaica, houve grande popularidade de Anansi entre os escravos e ele assumiu o papel de quem desafiava aquela ordem completamente cruel.
Por isso, pela demanda verdadeiramente sólida e cotidiana, alguns entendem que o foco de Anansi deixa de ser o mundo espiritual e se torna o mundo material. Assim, Anansi começa a ser mais identificado como homem do que como aranha. A identificação com os escravos torna-se mais fácil e isso tem consequências muito reais.
Os escravos começaram a usar Anansi como tática de resistência. Ou seja, por meio da “malandragem”, eles começaram a lutar contra toda a adversidade. Por exemplo, encontrando maneiras criativas de dificultar o trabalho e de roubar os senhores.
Anansi no Obeah
Entretanto, Anansi não some da dimensão espiritual. No Obeah, que surge na Jamaica e em localidades próximas, Anansi é uma figura relevante. De acordo com Nicholaj de Mattos Frisvold em seu livro “Obeah: A Sorcerous Ossuary”, Anansi é a conexão entre as coisas fomentada pelo divino. Sua teia é o que liga toda a criação – e por isso, imagino, ele seja o dispensador de sabedoria e também aquele que é capaz de quebrar todas as regras, pois ele pode fazer novas conexões.
Frisvold diz que “Anansi é a parte ativa da mente divina”. Acho que isso explica bem o que eu tentei comunicar no parágrafo anterior. Além disso, isso me sugere que no Obeah, Anansi seja, de fato, aquele que torna as viagens xamânicas do feiticeiro de Obeah possíveis.
Assim, parece que o caráter intermediário de Anansi está mantido no Obeah, já que ele ainda é um elemento de conexões.
Quer saber mais sobre o Obeah? Recomendo o livro citado acima, mas, rapidamente: trata-se de um culto de feitiçaria baseado no poder do “obi” que é passado para o feiticeiro por meio de iniciação. Uma discussão mais completa é difícil de se fazer aqui, pois o culto é extremamente heterogêneo.
Para terminar…
Assistam a esse vídeo incrível de Orlando Jones interpretando Anansi em “American Gods”. Vale muito a pena.
*Imagem de capa retirada de: https://culturela.org/event/celebrate-african-american-heritage-anansi-spider-stories/
**Imagem de homem com teia no rosto retirada de: https://www.demaan.be/en/production/12483/anansi
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