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Foto do escritorKaty Frisvold

Deuses, Dramas e Divórcios Cósmicos

Desde tempos imemoriais, os deuses refletem as idiossincrasias dos povos que os criaram, como espelhos que amplificam nossos medos, desejos e, claro, nossos defeitos. Se o panteão das divindades fosse um programa de TV, seria uma comédia-dramática épica, daquelas que você assiste com uma mistura de riso e indignação. E, no centro desse drama, está Jeová, o Deus da Bíblia Hebraica, um personagem que faria qualquer roteirista de telenovela se roer de inveja.


No início, Jeová era apenas mais um entre muitos deuses, e sua relação com Aserá, a poderosa deusa da fertilidade e da natureza, formava uma narrativa grandiosa. Imagine Aserá, a grande Mãe Natureza, governando ao lado de Jeová—uma parceria divina e um relacionamento modelo. Só que, quando as guerras começaram a se acumular, Jeová olhou para o lado e pensou: “Será que cultuar flores e celebrar a primavera vai me ajudar a esmagar meus inimigos? Acho que não.”


Foi então que ele decidiu que talvez estivesse na hora de um divórcio celestial. Como um CEO que demite seu braço direito por não ser “agressivo” o suficiente, Jeová resolveu que um culto focado na fertilidade e na vida não era exatamente o que ele precisava para ser o Deus mais temido do pedaço. "Aserá, querida, acho que precisamos dar um tempo... Não é você, sou eu. Preciso de algo mais, algo que me faça vencer batalhas. Governar sozinho... hmmm... monoteísmo soa bem, não acha?"


O que se seguiu foi uma verdadeira “lavagem de roupa suja” cósmica. Jeová não só terminou com Aserá, mas também lançou uma campanha de fake news que faria qualquer redator do Brasil Paralelo corar de vergonha. O culto à deusa, outrora central, foi distorcido de maneiras que fariam qualquer relações públicas perder o sono. Aserá, a rainha que já esteve ao lado de Jeová, foi rebaixada ao papel de vilã, símbolo de tudo o que era errado e pecaminoso. E, claro, o que antes era um culto à vida e à criação se tornou, na narrativa oficial, um verdadeiro bacanal de depravação e heresias.


E assim, Jeová seguiu em frente, abraçando sua nova identidade como o “Deus” único e verdadeiro[1], deixando Aserá para trás como a “ex” que ninguém ousa mencionar – a não ser, claro, para culpá-la por tudo o que deu errado. Se isso fosse uma novela, Aserá seria uma Luana Piovani, que sempre acaba levando a culpa nas polêmicas, enquanto Jeová seria como o Pedro Scooby, que, apesar das polêmicas, acaba sempre sendo celebrado e saindo por cima.


Depois desse dramático 'divórcio' celestial, a história parecia ter esfriado—pelo menos até que um certo carpinteiro de Nazaré entrou em cena. Surge então Jesus e Maria Madalena, uma dupla que causou tanto alvoroço quanto qualquer casal de celebridades modernas. Maria Madalena, longe de ser uma simples coadjuvante, era uma mulher independente e financeiramente poderosa, que bancava as andanças de Jesus com recursos próprios. Pense nela como a Yoko Ono da antiguidade—culpada pelos seguidores ciumentos de ‘distrair’ o Mestre de sua missão. Afinal, não é todo dia que uma mulher poderosa e influente entra em cena e vira o jogo, né? Os discípulos, é claro, roíam-se de inveja, mas preferiram reescrever a história, pintando Madalena como uma pecadora arrependida, porque, convenhamos, é mais fácil lidar com a 'prostituta redimida' do que com uma mulher forte e igual.


De lá para cá esta história foi contada e recontada um sem número de vezes e sofreu adições e modificações por um número absurdo de autores que seria um pesadelo pensar em direitos autorais. E eis que a história dá uma guinada absurda e aterrissa na era do neopentecostalismo, onde tudo parece um episódio de “Black Mirror” misturado com “The Handmaid’s Tale”. O que deveria ser um culto religioso vira um espetáculo distópico de gosto duvidoso, onde sermões que deveriam pregar o amor se transformam em verdadeiros manuais de controle social. Esses pregadores modernos parecem ter decidido que o melhor jeito de garantir a 'ordem' é reinventar o patriarcado com efeitos especiais, filtros de capetinha e, claro, aquela boa e velha pregação moralista, afinal, nada como uma boa dose de misoginia disfarçada de "preocupação com a moralidade" para manter as coisas nos eixos. Hipocrisia pouca é bobagem.[2]


Se antes Aserá foi demonizada por ser uma deusa poderosa, agora as mulheres comuns são vilipendiadas por ousarem ter autonomia sobre seus próprios corpos. É como se eles dissessem: "Você é livre para fazer o que quiser... desde que seja exatamente o que nós mandamos." E assim, os hipócritas transformam a fé em um reality show grotesco onde a única regra é: obedeça ou seja eliminada. Eles têm uma obsessão quase caricatural por controlar o comportamento feminino, como se estivessem dirigindo uma peça trágica onde todas as mulheres são vilãs, e o maior pecado é o de Eva, que foi quem trouxe a maçã para a festa, e não as guerras e as destruições causadas pelos homens e seu Deus “de amor”[3].


A verdade é que a história é sempre a mesma: o medo do poder feminino, da independência, da escolha. Seja Aserá, Maria Madalena ou as mulheres de hoje, o roteiro não muda – só os atores. Então se quisermos ver um conteúdo realmente original, talvez devamos questionar essas narrativas e, quem sabe, escrever um final diferente para essa história. Porque por mais que a história tenha tentado nos colocar de escanteio, estamos finalmente pegando a caneta para reescrever o roteiro.


Aserá, Maria Madalena e todas aquelas que foram jogadas nas sombras estão voltando com força total, e não para fazer figuração. Estamos aqui para reivindicar nosso lugar de protagonistas – e se a turma de “conservadores” pensa que pode nos silenciar para sempre, está prestes a ter um plot twist. O final feliz? Vamos escrever nós mesmas, com uma boa dose de ironia e, claro, com o controle remoto na nossa mão.

 


[1] Daí a gente ver esta mesma postura replicada por aí na vida, na religião, na política e até nos esportes. Olha só a força que tem um mito. Assustador ou não?

[2] Estar entre neopentecostais é estar perante uma grande coleção de pecadores, e dos mais variados tipos. Todo mundo fingindo ser mais santo que o outro.

[3] Olha lá... tá fazendo guerra de novo em Israel. Depois a louca é a mulher... eu hein!

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