Me sentar à mesa, me servir café, me contar um caso. Me olhar nos olhos, me virar do avesso, me sondar o âmago. Me despir do alheio, me vestir do cheiro que escolhi pra hoje. Cerrar ouvidos e olhos, escutar e ver como quem sente o mundo por vias próprias, como quem desfaz o espelho do Outro em mil pedaços.
Descontar do medo as horas perdidas, ler todas as entrelinhas, e esquecê-las. Reconhecer a raiva, tanta raiva… gritá-la a plenos pulmões. Desenlouquecer-se, se necessário.
Ler o movimento inteiro que tem como resultado a loucura de tanta esquiva. Ler nos olhos que cercam, na boca que se esconde para cuspir muita merda na cozinha de Natal. No fel alheio e no próprio, na cruel disposição com que andamos a correr loucos pela saciedade dos desejos sempre famintos.
Preciso.
Um preciso movimento, milésimos de segundo na presença de si mesma. Enfim, parir o filho sangrento e forte da Verdade sempre nunca percebida. Nasceu: uma enorme boca escancarada, movimentos de serpente e forte como um cavalo chucro, mas passa bem.
Eu sou minha única musa, o assunto que conheço melhor.
Frida Kahlo
Imagem: Henry Ford Hospital, de Frida Kahlo. 1932.
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