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Coerência, Consciência e… Ação!

Um rico ateniense navegava com outros passageiros. Sobreveio uma violenta tempestade que virou um navio. Enquanto os demais tratavam de salvar se a nado, o ateniense invocava a todo instante Atena, prometendo lhe mil coisas, caso se salvasse. Um dos náufragos que nadava a seu lado lhe disse: “Invoca Atena, mas não se esqueça de nadar!”


Essa pequena fábula de Esopo ganha ares de piada, porque, oras, como alguém se esqueceria de nadar? Com enorme frequência, entretanto, a vida espiritual vem como uma panaceia, utilizada para anestesiar as dores e feridas do mundo real. Roupas, cânticos e rituais para asseverar a auto-importância de alguém que se encobre de anéis, broches, mantos e títulos. Horas de felicidade diante da divindade para apaziguar dias de humilhação diante de seus pares.


É comum ao assumir um compromisso com o autoconhecimento a postura inicial, mas não muito esclarecida, de receber informação, esvaziado da própria vontade e sedento dos estímulos externos. Estudantes muito focados no auto-CONHECIMENTO e pouco atentos ao auto-APRIMORAMENTO. Tal ânsia pela aquisição do conhecimento sem a prática da magia leva a duas consequências nocivas.


A primeira delas é a perda, razoavelmente rápida, do estímulo ao estudo. A Teoria é muito importante e evita uma série de equívocos gigantes na Prática. Mas é a Prática que vai colocar a síntese subjetiva do magista entre a teoria estudada e a prática aprendida. Motivação é resultado do propósito e dos resultados em direção a esse propósito. Poder, por mais que seja dado, não vai se perpetuar quando não conquistado e construído entre a bigorna da prática e o martelo do conhecimento.


A segunda consequência nociva, talvez a mais perniciosa, é que sem a prática perde-se a unidade entre conhecimento e ação. Perde-se a coerência, que é a unidade harmônica entre os constituintes de um corpo, nesse caso, os constituintes físicos, emocionais, mentais e espirituais da vida do magista. O elemento Terra dá corpo às ações do buscador, a coerência entre os pensamentos, emoções, palavras e ações mantém a estrutura da vida funcionando. É a definição da palavra “Justiça”: não sobra, nem falta.


A Incoerência ganha ares de pandemia da alma quando auto-proclamados mestres e iluminados pretendem ser sacrossantas divindades caminhando entre mortais: quem se apresenta como Santo é cobrado como Santo, quem se apresenta como Mestre é cobrado como Mestre e quem se apresenta como Humano é cobrado como Humano.


A cobrança aqui, sem dúvida, vem de todo o Universo, material, personificado, imaterial e abstrato. Porém, a grande cobrança vem daquele que tem mais poder de julgar: o próprio pretenso iluminado. Nada mais corriqueiro que os pululantes e caricatos exemplos daqueles que professam uma filosofia quase profissionalmente e agem no mundo de forma antagônica quando as cortinas se fecham e a plateia não precisa ser satisfeita.


É princípio neurológico que julgamos o mundo como nos julgamos. A incoerência, nisso, é uma doença que trinca e racha as paredes do templo da alma. O que esperar como resultado de um autoconhecimento esquizofrênico de prática? Sono, esquecimento e morte, os três motes principais do arcano “O Julgamento” do Tarot, que faz referência mitológica ao ressuscitar e lembra, por exemplo contrário, que o derradeiro fim não é a morte, mas a inconsciência e esquecimento. Morrer não é nada, perder a Vida é que é um problema.


Obedecendo à lei de que Tudo Vibra, fora da coerência não há caminho energético para que a vontade realmente atue na realidade, daí a importância entre o “Reto Pensar” e o “Reto Agir” que prega Kardec; ou do Esquadro dos Maçons, que mantém sempre retos ação e pensamento; ou o provérbio americano que aconselha a colocar seu dinheiro onde está sua fala (“Put your money where your mouth is.”); ou até mesmo o conceito de “colocar a pele no jogo” de Nassim Nicholas Taleb.


O incoerente que pretende se aventurar na Magia consegue, na melhor das hipóteses, resultados partidos e parciais e, na pior, resultados antagônicos. O conselho sábio da fábula que abre este texto passa pelo protagonismo coerente. Reze, mas continue nadando. Estude, mas não fuja à prática. Ore, mas labore.


Por quê o Universo, ou um Anjo, ou um Guia, ou um Demônio ergueria uma mão em seu favor se você não ergue sua própria mão em seu favor? Saber é importante, claro, mas não se basta sem o Querer o Ousar e até mesmo o Calar.


“Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive.”

REIS, Ricardo, heterônimo de Fernando Pessoa.

Créditos da imagem: Pixabay

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