top of page

A reveladora tagarelice das cartas: o Petit Lenormand

Saudações, crianças!


No nosso último encontro, eu prometi conversar com vocês sobre métodos mais femininos de cartomancia, muito anteriores ao modo simbólico pelo qual o tarô passou a ser interpretado na segunda metade do século XIX, e estou aqui para cumprir essa promessa!


De fato, se remontarmos à secular história da cartomancia, veremos que a arte de interpretar as mensagens das cartas sempre se baseou na relação de uma carta com outra, havendo variantes muito grandes na complexidade com a qual várias cartas conversam entre si. Foi só a partir do momento em que o tarô passou a ser objeto de estudo dos ocultistas que ele começou a ser lido de maneira simbólica, “profunda”, “espiritual”, de maneira que uma única carta poderia dar uma mensagem completa por si só. Antes disso, a conversação cartomântica exigia a tiragem de pelo menos duas cartas.


E assim foi que os métodos cartomânticos de “conversação” permaneceram sob domínio das mulheres cartomantes e o método simbólico de interpretação do tarô (que antes também fora um baralho de conversação) foi apropriado majoritariamente pelos magos fin de siècle.


Dentre os baralhos usados com métodos cartomânticos de conversação, além do baralho comum, temos, entre os mais conhecidos, o Kipper alemão, as Sibilas italianas e o Petit Lenormand. É deste último que hoje quero falar e, para isso, fui consultar a minha amiga brasileira Karla Souza, uma das maiores especialistas mundiais nesse método cartomântico e a melhor professora de cartomancia desse lindo país, tão abençoado pela sua exuberante natureza, mas também tão castigado, historicamente, pelos seus governantes…


O Petit Lenormand é mais conhecido no Brasil como baralho cigano e, nesse país, foi estruturado um método todo próprio de interpretá-lo, que não deixa nada a desejar para a chamada “escola europeia”, embora não se possam misturar as abordagens. Ou se utiliza uma ou outra.


O mais curioso é que o nome desse baralho remonta à célebre vidente (ou sibila, como se usava denominar na época) Marie-Anne Lenormand, famosíssima na França do século XIX e conselheira da Imperatriz Joséphine, mulher de Napoleão. Por muitos anos, a criação desse baralho foi-lhe atribuída, mas a irônica verdade é que Mademoiselle Lenormand faleceu em 1845 sem nuca lhe ter posto a fuça: o primeiro baralho a aludir seu nome foi criado somente dois anos depois dessa data, pela editora alemã Reiff.


O nome Petit Lenormand, na verdade, foi uma grande jogada de marketing para promover as vendas de um baralho criado muito antes, mais precisamente em 1798, pelo alemão Johann Kaspar Hechtel, e cujo nome era “Jogo da Esperança”. Esse jogo, que nunca teve qualquer sucesso comercial, fora idealizado como um jogo de tabuleiro tal qual o medieval “Jogo da Gansa” ou os old fashion, mas ainda bem lembrados, “Jogo da Vida” e “Banco Imobiliário”. As cartas eram dispostas em formato de tabuleiro (no mesmo desenho da Mesa Real usada na cartomancia) e os participantes moviam suas peças pelas casas (cartas) usando dados. Ganhava a partida quem conseguisse chegar na carta da Âncora, emblema da virtude teologal da esperança, daí derivando o nome do jogo.


O jogo ainda podia ser usado como um jogo de cartas comum, servindo para o tradicional jogo de piquet, se excluídas quatro cartas. Mas havia também uma discreta indicação, no folheto que o acompanhava, de que ser poderiam ler as sortes das pessoas por meio da disposição das cartas, narrando-se, então, divertidas histórias para o entretenimento geral…


Nada muito próximo da cartomancia, portanto, não?


Nem tanto! Ao que parece, Johann Kaspar Hechtel eram bem danadinho e sabia o que estava fazendo, pois a mulher do seu sócio, Philipp Jacob, era uma cartomante da região da Bavária e, coincidentemente (ou não!), o método de interpretação das cartas muito discretamente sugerido no folhetinho desse jogo tinha muitos traços em comum com a cartomancia bávara, muito diferente das cartomancias italiana, francesa e inglesa.


Mas os aspectos fascinantes dessa história, digna de um romance de Agatha Christie, não param por aí: há não muito tempo, a cartomante e pesquisadora Mary Greer descobriu um baralho publicado na Inglaterra em 1793 chamado “Les Amusements des Allemands” (os divertimentos dos alemães), constituído por 32 cartas muitíssimo semelhantes às do “Jogo da Esperança” e, portanto, do Petit Lenormand. Mais curiosa ainda é a constatação de que esse baralho do século XVIII refletia, nas suas cartas, um antigo método de leitura divinatória dos grãos de café…


Ou seja, se toda a história que se criou a respeito da lendária Mademoiselle Lenormand não passa de uma lorota criada para vender o baralho e se a romântica origem cigana dessas cartas é tão verdadeira quanto as origens egípcias das cartas do tarô, fato é que a realidade parece ser muito mais surpreendente do que a própria ficção.


Mas no que o Petit Lenormand difere tanto do nosso bom e velho tarô? Bem, o titio aqui não vai se esparramar muito aqui, pois não quer cansá-los, mas vai destacar dois pontos fundamentais (além da diferença principal de se precisar, num baralho de conversação, de ao menos duas cartas para se obter uma mensagem, enquanto no tarô se poder usar uma única carta para isso):


1) as cartas do Petit Lenormand são emblemáticas, ao passo que as cartas do tarô são simbólicas. Assim, o emblema do Anel, no Petit Lenormand, sempre será um anel, ainda que desenhado conforme as concepções artísticas dos desenhistas das suas várias versões, enquanto a Papisa do tarô pode ser retratada como uma grande sacerdotisa egípcia, como as deusas Isis ou Perséfone, como a Papisa Joana e por aí vai.


2) a interpretação dos naipes no Petit Lenormand segue as regras da cartomancia alemã, embora o “Jogo da Esperança” trouxesse tanto os naipes alemães como os franceses nas suas cartas e o Petit Lenormand estampe apenas os naipes franceses (esses mesmos com os quais você está acostumado). Assim, se na cartomancia francesa, inglesa e italiana o naipe de Espadas é associado a tudo o que há de ruim nesta vida, no Petit Lenormand, esse naipe (correspondente ao naipe alemão de Folhas) expressa alegrias e esperança, sendo que o naipe “ruim” é o de Paus (ou Nozes, no baralho alemão).


O Petit Lenormand, sobretudo, é uma linguagem, dotada de uma “gramática” toda própria e de um vocabulário que sempre se expande à medida que o cartomante pratica e estuda a sua arte.


Quer saber mais? Ficou com vontade de aprender esse método? Está interessado em adquirir baralhos lindos e de ótima qualidade? Dê uma espiadinha no site http://falandolenormandes.com.br/


bottom of page