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O Nó

Marcia cruzou com Vitor no corredor da faculdade, seus olhares se encontraram e ela nesse momento pensou “esse homem é o amor da minha vida”. Residia num bairro classe média alta do Rio de Janeiro. Seu pai era desembargador e sua mãe neurocirurgiã. Marcia cresceu com todo privilégio que uma criança poderia ter em questões materiais; devido à ausência dos seus pais, presentes nunca lhe eram negados, todas as suas vontades eram satisfeitas.

Alguns dias se passaram, e não conseguia tirar aquele homem de sua cabeça, até que para sua surpresa ao comparecer em uma festa com suas amigas, ele estava lá. Tentou, diversas formas de aproximação, dançava olhando para ele, esbarrou algumas vezes e chegou até mesmo chamá-lo para beber com suas amigas, porém o convite foi recusado. Ficou indignada com aquilo, afinal, não estava acostumada a receber um não como resposta. Decidiu ir embora para a casa muito frustrada e criticando o ambiente da festa.

Ao chegar em casa, seus pais já estavam dormindo, portanto, foi direto para o seu quarto e entregou-se a todo o ódio que sentia. Repetia para si mesma que iria conquistá-lo de qualquer forma. Assim que amanheceu, foi para a mesa, onde seus pais tomavam café da manhã e como sempre, sentou-se e comeu em completo silêncio. De volta a seu quarto, uma das empregadas perguntou o que deixava tão aflita e Marcia mentiu dizendo que tinha sido traída por um homem por quem estava apaixonada.

“Dona Marcia, sei que não gosta dessas coisas. Mas conheço um lugar que realiza trabalhos espirituais e você pode dar um jeito nisso. É uma bruxa poderosíssima, dizem que ela tem uns cento e cinquenta anos, mas acho que é tudo conversa do povo”, disse a empregada.

“Rita, realmente não acredito. Mas estou disposta a fazer o que for necessário para ter ele de volta”, respondeu Marcia

“Ela mora lá na favela perto de casa. Um lugar bem perigoso, cercado de bandidos, mas ninguém mexe com quem vai lá. Posso levar a senhora”

“Ótimo! Me diz quanto que é e transfiro agora para conta bancária dela”

“Dona Marcia, ela não cobra nada não. Leva só uma caixa de velas e umas peças de roupas que serão doadas aos pobres”

“Bom, vou te dar o dinheiro para comprar essa tal caixa de velas e pegue umas peças de roupa no meu closet”

“Ah! Tente levar algo dele. Uma peça de roupa, cabelo, foto algo assim”

“Combinado!”

Após a empregada sair do quarto, Marcia ficou pensando onde havia chegado. “Recorrer a uma bruxa que mora em uma favela e que ainda não cobrava. Só pode ser uma charlatã”. Mas precisava conseguir algo do Victor e ainda descobrir o nome todo dele e dados como data de nascimento e endereço.

Ficou esperando-o passar no corredor e o seguiu até sua sala, descobriu sua turma e foi até a biblioteca. Pagou à atendente uma boa quantia, o que lhe forneceu todos os dados. Para sua surpresa Vitor morava em uma área muito pobre, no subúrbio do Rio, era bolsista e trabalhava na faculdade para garantir a bolsa.

Esperou que ele estivesse em horário de trabalho e foi até sua casa. Tocou a campainha e uma senhora idosa atendeu.

“Bom dia. Aqui é a casa do Vitor Flavio?”

“Sim. Ele está no trabalho, o que seria?”

“Sou Camila, trabalho com ele na faculdade. Iremos trabalhar até tarde hoje e ele pediu para buscar uma blusa de frio.”

A idosa nada questionou, foi até dentro da casa e voltou com duas peças de roupa na mão.

“Infelizmente, só tenho essas que ficaram sem lavar, o restante já está no varal. Avisa ele para não esquecer de almoçar.”

“Claro, aviso sim.”

Marcia não conseguia se conter, em tanta felicidade. Cheirou a roupa a caminho de casa, sentindo um misto de suor e perfume. Em breve, teria ele nos seus braços.

Dois dias depois, ela e Rita se dirigiram ao local onde morava a velha bruxa, era um casebre de tijolos e havia várias pessoas esperando. Marcia ficou desconcertada no meio de tanta pobreza e por mais que insistisse não conseguiu ultrapassar a frente de ninguém, então aguardou sua vez. Foi chamada a uma sala, onde havia apenas uma mesa com uma toalha branca, uma vela acesa e um copo com água. A velha senhora com uma aparência sofrida, estava aguardando do outro lado da mesa e pediu que se sentasse.

Marcia sentou-se e entregou a bolsa com as doações.

“Deus te abençoe, minha filha” disse a senhora, “mas, o que te traz aqui?”

“Achei que a senhora soubesse de tudo”, respondeu de forma debochada.

“Existem dois motivos, a verdade e a mentira. Qual você pretende me contar?”

Marcia estremeceu na cadeira. Ficou gelada diante desta afirmação e se ajeitou na cadeira.

“Existe um homem que estuda comigo e ele não me quer mais. Eu desejo muito ele. Não consigo me concentrar, desde que ele me abandonou”.

A velha tudo ouvia e olhava para o copo com água. Por fim disse:

“Esse homem pertence a outra pessoa. Ele nunca foi e nunca será seu.”

“Mas eu estou disposta a fazer o que for preciso para trazer ele para os meus braços.”

Assim que terminou de despejar todas as mentiras, a bruxa começou a se sacudir, como se estivesse tendo um mal súbito e Marcia ficou apavorada, quando se levantou para chamar alguém, a velha segurou em seu braço e disse com uma entonação de voz totalmente diferente:

“Eu vou te ajudar no que você quer. Meu nome é Gorsyn, sou um dos grandes senhores do inferno, se você realmente estiver disposta a fazer o que te peço, esse homem será seu”

Marcia estava muito assustada, mas não iria voltar atrás. Disse que faria o que for preciso.

A sinistra entidade pediu que anotasse tudo que seria dito.

“Pegue as roupas dele que estão com você e junte com uma peça íntima sua usada. Você deve unir todas com um nó. Vá até a porta de um cemitério à meia-noite em ponto. Leve uma garrafa de bebida fina, dessas caras que você gosta e um prato contendo um coração de boi. Ao chegar no local, chame por mim três vezes. Queime as roupas, as cinzas você irá pôr na porta da casa dele. Agora você pode ir, e não conte a ninguém. Vá embora e lembre-se, o nó que eu faço, ninguém vai desfazer.”

Marcia levantou-se e saiu.

Rita a aguardava do lado de fora. Sem conversar, as duas voltaram para casa. No mesmo dia, Marcia foi até uma adega no bairro de Copacabana e comprou um whisky caro. Em seguida, foi até um açougue e comprou o coração de um boi recém abatido.

Quando o relógio marcava 23:30 saiu de casa, de carro dirigiu até um cemitério que ficava ali na zona sul. Esse horário na rua não havia ninguém, parou o carro e deixou ligado, quanto se preparava para realizar aquele ritual, sentia medo do local e uma boba por fazer aquilo.

Chamou a primeira vez:

“Gorsyn, como combinado aqui estou. Trago os seus presentes e quero o meu”

Abriu a garrafa de bebida e foi despejando na porta, seguia sua intuição e chamou pelo demônio uma vez. Em seguida, pôs o coração em um prato e chamou o demônio mais uma vez, dizendo enquanto olhava para dentro do cemitério:

“Gorsyn meu senhor. Aqui está o coração, agora quero o corpo!”

Em seguida, dentro de uma panela, queimou as roupas juntas que estavam amarradas, dizendo:

“Gorsyn, meu senhor, que ele só pense em mim e só tenha olhos para mim. Vá buscar seu corpo e sua alma para mim”

Enquanto queimava, Marcia olhava para os lados aflita com receio de que algum conhecido passasse, e parecia que estava queimando mais lento que o normal. Por fim, pegou as coisas e se dirigiu para a casa de Vitor e despejou as cinzas no portão dele, de modo que ficassem bem espalhadas e ele pisasse quando saísse.

Dirigiu de volta para casa com o coração acelerado, devido à forte adrenalina que tudo aquilo lhe causava.

No dia seguinte, o procurou pela faculdade. Encontrando-o na lanchonete, sorriu e acenou, porem não recebeu nenhuma resposta.

Disse para si mesma em voz baixa: “demônio idiota, aliás eu sou mais idiota ainda de acreditar nessas crendices de pessoas sem estudo.”

Uma semana se passou e para surpresa, estava na lanchonete no intervalo da aula, quando Vitor apareceu e aproximando-se disse:

“Boa noite, acho que nunca nos falamos. Me chamo Vitor. Você é a Marcia correto?” Assustada, a jovem apenas respondeu que sim.

“Sou novo aqui no campus e estou com alguma dificuldade em achar uns livros na biblioteca, poderia me ajudar?”

Ela estava muito assustada e disse que acompanharia. Dentro da biblioteca ele não se conteve e pôs a mão nos seios de Marcia. Que deu um pulo para trás.

“Desculpe, mas você é muito gostosa, não paro de pensar em você. Só hoje já me satisfiz sozinho umas duas vezes pensando em você.”

Sem saber o que responder, ela apenas disse que só pensava nele também. Abandonaram a aula e foram para a casa de Marcia, uma vez dentro do quarto, os dois se beijaram e se entregaram a um sexo selvagem e agressivo.

Durante todo o mês, eles se viam todos os dias e então iniciaram um namoro. Deixaram de ir a faculdade e passaram a ficar somente na casa de Marcia. Seus pais acharam estranho que ela estivesse todas as noites com aquele rapaz, porém nada disseram, já que tinham outras coisas com que se preocupar.

O ciúme de Vitor crescia a cada dia. Ele escondia seus perfumes com aroma mais forte e que chamavam atenção, rasgou várias de suas roupas que ele considerava provocante e por fim, começou a agredi-la quando não queria sexo com ele. Marcia sentia-se cada vez mais sem forças para lutar. Um dia, disse que ligaria para a polícia, após uma sessão de muitas agressões.

“Caso você mencione novamente ir à polícia, eu mato você e toda sua família. Nem os cachorros irão ficar vivos, entendeu?”

Apenas disse que sim, com a cabeça.

Marcia andava pela casa cheia de hematomas, mas apenas os empregados percebiam, já que seus pais estavam sempre no celular e raramente olhavam para a filha.

Um dia depois das agressões, Marcia resolveu que não iria mais aguentar aquilo e foi até a polícia registrar queixa do ocorrido. Vitor foi chamado para prestar depoimento e liberado menos de uma hora depois.

Ao sair da delegacia parou em uma loja especializada em vendas de arma de fogo e foi para a casa de Marcia ficando do outro lado da rua escondido, esperando os empregados irem embora. Já passava das vinte e duas quando a última saiu. Entrou na casa e passou pelo segurança, que com a troca de turno não sabia das agressões.

Foi muito fácil adquirir uma arma, pois para sua sorte, a compra havia sido legalizada no país, embora fosse cara e não possuía muito dinheiro, usou todas as suas encomias, já que não iria precisar delas depois e com ela escondida foi até o quarto dos pais de Marcia que dormiam, e efetuou alguns disparos, matando-os de imediato e foi para o quarto da jovem e ela estava encolhida em um canto chorando.

Apontou a arma dizendo:

“Se você não pode ser minha, não será de homem nenhum. Nosso nó jamais poderá ser desfeito.”

E efetuou disparos em sua direção.

Em seguida pôs a arma na boca e apertou o gatilho.

Quando a polícia chegou, Marcia ainda estava viva e havia conseguido escrever com seu sangue algumas letras que formavam a palavra “gorsyn”. Antes que os médicos chegassem, a jovem não resistiu e morreu.

A equipe policial quanto isolava o local chegou a conclusão que o crime havia sido motivado por ciúme, seguido de suicídio e sobre o que havia sido escrito, ignoraram. O caso foi encerrado e a mãe do assassino, não acreditava que seu filho uma pessoa tão boa poderia ter cometido aquele crime.

Em casa a bruxa assistia a fatalidade em sua tv e reconheceu a vítima, como uma jovem que atendeu alguns meses atrás, nesse instante um forte cheiro de velas se fez soprar pela casa, ouviu várias risadas e cascos de cavalos.

Sem sentir medo da presença disse:

“Quem está ai, apresente-se em nome de Deus todo poderoso!”

Nesse momento Gorsyn se aproximou e soprou em seu ouvido:

“Eles mereceram não concordam? Ela achou que ia enganar logo a mim?” Nota: Embora essa história seja uma ficção, isso ainda acontece em muitos lares. Se algum/a amigo/a seu/sua estiver sendo vítima de agressão no relacionamento, não tenha medo de perder a amizade. Aconselhe e ajude.”


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