Bem, muitas pessoas querem se conectar com o mundo invisível e não sabem por onde começar. Permitam-me então dar uma sugestão: que tal pelos seus ancestrais? São espíritos próximos e que não necessitam de nenhuma “iniciação” para que sejam trabalhados. A iniciação, nesse caso, foi nosso próprio nascimento. Além de serem espíritos acessíveis, trabalhar com os ancestrais é uma maneira eficiente e interessante de descobrirmos mais sobre nós mesmos. Afinal, somos (querendo ou não) influenciados constantemente pelos que vieram antes de nós, seja pela força do sangue ou pela força do ambiente. Portanto, vamos discutir rapidamente como começar uma prática muito simples para nos conectarmos com esses espíritos.
A primeira questão que podemos discutir aqui é exatamente quem são os ancestrais. Obviamente estamos falando dos nossos familiares de sangue que já morreram, conhecidos ou não. Embora não estejamos apenas falando neles, só esses espíritos já somam uma legião enorme e diversa. Além disso, é possível que em meio aos ancestrais também estejam ancestrais de linhagens espirituais e pessoas que mesmo sem uma conexão direta de sangue, nos moldaram e nos influenciaram fortemente (O exemplo mais prático aqui seriam pais adotivos). Quem vai ou não entrar nesse grupo passa por uma questão mandatória (Seus parentes de sangue não deixarão de serem seus ancestrais, gostem vocês deles ou não) e também por algumas inclusões que serão opcionais. Neste início, eu sugeriria para manter o foco nos ancestrais de sangue ou nas pessoas já falecidas de maior influência. Atenção: apenas pessoas falecidas. Colocar fotos e nomes de pessoas vivas em um altar dos mortos não parece fazer muito sentido e pode ser considerado mau agouro.
A ideia de venerar ancestrais passa tanto por cultivar uma relação com esses espíritos quanto por honrá-los. Há vantagens para ambos os lados. Não precisamos ser temerosos na hora de começar essa veneração – os ancestrais já estão conosco, quer desejemos ou não. Nessa prática não faremos distinção. Vamos colocar todos no bojo. Até mesmo aquele tio-avô que ninguém suportava. Acreditem em mim, ele poderá disparar interações e insights importantes. Portanto, caso vocês não tenham um motivo muito particular e forte para excluir alguém, não o façam. Montem a prática de maneira mais abrangente. Embora, como veremos, não conseguiremos jamais saber quem são todos os nossos ancestrais e muito menos conseguiremos reunir fotos da maior parte deles, isso não quer dizer que eles não estejam contemplados de alguma maneira.
Muitas pessoas tem medo de que a veneração ancestral possa atrair espíritos ruins. Bem, quem mexe com fogo pode se queimar – isso é sempre verdade. Entretanto, as tradições que pregam essa veneração geralmente não se preocupam com salvaguardas e cuidados quando as coisas são mantidas em um nível simples. Ou seja, é uma prática relativamente segura. Entretanto, como estamos mexendo com o invisível, é importante que todos saibam que há riscos, por menores que sejam. Se vocês não se sentirem preparados para lidar com um possível problema, sugiro que se informem e que pesquisem para além deste artigo. Se fizerem parte de alguma tradição espiritual, conversem com os sacerdotes. Não façam nada sem estarem à vontade. Não venham também depois no SAC do Espelho me acusando de ter assombrado a casa de vocês.
Para não dizerem que eu não dei nenhuma dica sobre isso, é possível, por exemplo, colocar a imagem de um espírito protetor no altar. Por exemplo, digamos que vocês sejam adeptos de uma prática mais orientada aos deuses do Egito Antigo, um Osíris ou um Anúbis podem manter o espaço dos mortos organizado. Nada de errado também em usar um Santo, aliás, pode ser que nessa montagem vocês prefiram usar um espírito que converse com vocês e com os ancestrais. No Brasil, um bom santo Católico poderia resolver esse problema. Claro, não se esqueçam de dar um “oi” para esse espírito na prática. Apenas colocar uma imagem de gesso no espaço dos ancestrais fará pouca diferença se ela não for trabalhada também.
Vamos ao que interessa: queremos criar um espaço para conversar com os ancestrais, geralmente chamado de Boveda no Espiritismo Latino-Americano. Nada nesse espaço precisa ser chique ou elaborado. Tudo pode ser, na verdade, muito simples. Selecionem um espaço da casa que não seja muito agitado (Não se recomenda usar o quarto de dormir, para que fique marcado claramente que a casa é de vocês). Podem optar por discrição total em um quarto pouco visitado por terceiros ou até mesmo em um gabinete, de maneira que o altar possa ser completamente oculto de olhos estranhos. Geralmente utilizamos uma mesa pequena ou uma prateleira, mas usem o que tiver em mãos. Muitas pessoas recomendam a cozinha, pois assim os mortos ficariam integrados às atividades da casa. No Brasil as cozinhas estão cada vez menores e isso pode ser complicado, portanto, não se apertem, consigam um lugarzinho bom e utilizem.
Esse local deve ser bem limpo (E mantido minimamente limpo depois de arrumado). Coloquem uma toalha branca. Separem um grande copo ou cálice para colocar água e um prato para colocar comida. Consigam um suporte para velas (De preferência um daqueles chamados de “copo” para minimizar o risco de incêndios). Opcionalmente peguem o seguinte: fotos, nomes e objetos dos ancestrais (É claro que não conseguirão de todos, não se preocupem); incenso; flores – em último caso, flores de plástico podem ser utilizadas. Vocês verão muita gente dizendo que não devem jamais ser colocadas flores de plástico, mas acho isso um exagero. Além do mais, os juízes do que funciona e não funciona nos altares de vocês serão vocês mesmos e seus ancestrais. Nem eu e nem ninguém conta mais nessa relação.
O copo grande deverá ser preenchido com água – idealmente a água deve ser deixada, mas em tempos de dengue e zika certifiquem-se de que a água não esteja adequada para a reprodução do mosquito (Misturar com um pouco de água de Flórida, por exemplo, dará um sabor mais floral e fresco a água e provavelmente a tornará inóspita ao mosquito. Testem e fiquem atentos). Caso não consigam se certificar disso, coloquem a água apenas na hora do rito e a retirem na manhã seguinte. No prato coloquem comida ou lanches que tenham em casa e que façam parte da vida cotidiana da família (Parte da comida preparada para as refeições, por exemplo, ou frutas e outras coisas que vocês e sua família apreciem). Tratemos os mortos como trataríamos se fossem vivos, de certa maneira. A vela deve ser acesa na hora do rito e depois deverá queimar por inteiro. Nesse momento, as flores podem ser trocadas. É possível também servir café, sucos, bebidas alcóolicas, cigarros etc. Enfim, tudo do que seus ancestrais gostavam em vida e coisas que eles lhes pedirem (Por insights ou sonhos) poderão entrar na composição.
Para o rito de veneração, melhor, de comunhão, em si, separem um dia da semana (Alguns dirão que deve ser ou segunda ou sábado, mas façam quando for mais conveniente. Tentem apenas manter sempre o mesmo dia), ofereçam os elementos do altar, acendam a vela e fiquem ali literalmente conversando. Podem iniciar o rito em si se apresentando e dizendo o nome dos seus pais, de maneira a se identificarem sem equívoco. Além disso, um pequeno sino pode ser tocado para marcar o início da interação.
Essa conversa não precisa ser demorada. Aos poucos surgirão pensamentos e intuições que vocês saberão identificar que não são próprios das suas personalidades. Fiquem atentos, podem ser comunicações. Nessas comunicações, os espíritos poderão pedir por determinada comida ou bebida (Não precisam se matar para conseguir qualquer coisa que peçam. Se for algo fora do razoável, digam não – lembrem-se de que a casa é de vocês – e caso não queiram negar, podem negociar também). Eles poderão também pedir por certo carinho com fulano ou ciclano. Enfim, as possibilidades são infinitas. O importante é sentar com eles e ficar de mente a coração abertos e atentos. Por exemplo, um dos pedidos que chegou até mim foi rezar o Pai Nosso e a Ave Maria. É preciso lembrar que os ancestrais terão gostos e preferências distintas das suas.
Terminada a “conversa”, simplesmente se despeçam e saiam. Não se cobrem ou se esforcem para ficar por duas horas ou sempre por um mesmo tempo igualzinho. O ideal é ficar concentrado por algum tempo e eu diria que dez minutos seriam um tempo razoável para treinar essa conexão, mas a conexão pode vir antes. Ainda, vocês podem simplesmente sentir que está feito. Não se forcem a nada. Tentem tornar a interação a mais natural possível, mas achem o equilíbrio para que o exercício não se perca. No dia seguinte, pela manhã, podem jogar fora a comida e a bebida. Por serem coisas dos seus espíritos íntimos, é aceitável jogar no lixo, mas se puderem jogar as bebidas na terra e enterrar o resto de comida, melhor.
Fiquem atentos aos sonhos ao longo da semana. Estes também são bons veículos de comunicação com os ancestrais. Nem sempre os sonhos serão óbvios, é preciso manter certa vigilância e perceber os simbolismos. Geralmente não é nada muito desafiador. Porém, cada caso é um caso. Portanto, não descartem nada. Analisem os sonhos com cuidado e poderão encontrar essas comunicações que, de outro modo, passariam perdidas.
Esta prática simples, como eu já escrevi, não deverá causar problemas. Pelo contrário, provavelmente servirá como um bom trampolim para o desenvolvimento de mediunidade e de conexão com o mundo invisível. Além disso, os nossos ancestrais são (Em geral) poderosos aliados. Como li certa vez em algum lugar (O autor que me perdoe, mas não consigo lembrar onde foi e quem escreveu) – os ancestrais mantêm o nosso barco firme enquanto navegamos na Kalunga (Ou algo nessa ideia). Ou seja, eles são uma força que dá segurança e estabilidade para a prática espiritual. Isto acontecerá tanto ativamente quanto passivamente. Imaginem os benefícios de se cultivar, por exemplo, uma boa relação com um ancestral cujo primeiro impulso para conosco era de indiferença ou até de inimizade (Pode ocorrer).
Portanto, se vocês estavam aí com aquela vontade de começar uma prática de veneração/comunhão ancestral, recomendo que comecem assim. Eu mesmo faço algo muito parecido até hoje, sem muita complicação. Tem sido bastante satisfatório. Quer dizer, mesmo esta prática sem nada muito complexo pode ser mantida por longos períodos sem necessidade de incrementos. Na verdade, a coisa toda poderia ser ainda mais simples: um copo d´água e uma vela ou somente uma vela. Porém, já que iria dedicar algumas palavras ao assunto, resolvi destacar mais algumas opções. Ainda assim, todas muito acessíveis. Lembrem-se: manter tudo acessível é uma boa ideia. Quanto mais complexidade e itens “caros” nós colocamos, mais criamos uma rotina difícil e que pode nem sempre ser observada – e nessas práticas, a constância é algo fundamental. Provavelmente vocês tirarão maior proveito de algo simples e frequente do que de algo elaborado e ocasional.
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