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Foto do escritorGabi Aguiar

Teto de Vidro

Hoje me deparei com o post do Instagram do Espelho de Circe sobre “Ativismo Além da Raiva” e seus comentários recebidos. Li, reli, pensei, reli, pré julguei, entrei em contato com as vozes da minha construção social e li mais uma vez. Cada vez que li tive uma interpretação diferente e resolvi elaborar esse texto. Sempre me deu um pouco no saco essa galera good vibes protestando em cima de árvore, assim como nunca entendi muito bem o que faz uma pessoa largar tudo pra ir ser ativista e chorar em cima de planta. Com o tempo eu percebi que primeiro de tudo, eu achava que as pessoas tinham (ou deveriam ter) a mesma condição, construção e valores que eu, eu estava fazendo um pré julgamento. E depois, com o tempo, percebi que a questão não é nem a galera ser ou não de fato chata, cada um tem o livre arbítrio de seguir como quiser, a questão real que me gerava esse tipo de pensamento e a forma como eu lidava com aquilo era comigo mesma. Eu repudiava toda e qualquer possível sensibilidade dessas pessoas por eu não ter aprendido o que era sensibilidade de uma forma positiva. Não vou dizer que a positividade tóxica não existe, ela existe e eu particularmente não acho interessante, mas precisamos levar em conta que muitas vezes confundimos uma filosofia de vida válida com algo ruim só por ela não nos atender ou por não a compreendermos naquele momento. E tá tudo bem, amarras estão aí pra serem desfeitas. Eu assumo que por conta dessa minha aversão eu tinha uma postura bem meritocrata escrota na época. Junta com algumas opiniões infelizes que muitas vezes a pessoa tem dentro de casa e babau, o mundo é cão e eles que lutem pra sobreviver.


Passado um tempo comecei, de dentro da minha bolha, a me incomodar com a galera da militância, o povo que milita com fervor. Me incomodei com eles primeiro porque faltava empatia da minha parte… Mas não só isso, eu descobri que eu também sentia raiva, e muitas vezes reagimos mal a certas coisas não porque somos opostos a elas, mas porque nos identificamos. Olha, viver essa vida de pré julgamentos, insensibilidade, falta de empatia e raiva é muito cansativo e pra mim, a cada dia que passava, isso se tornava mais improdutivo. Quando comecei a enxergar que existiam artifícios pra pra fazer uma revolução na minha cabeça, resolvi me abrir mais (e da forma como pude) pros tons de cinza do mundo. Tentei compreender quem era mais sensível, os mais e os menos privilegiados, tentei me colocar no lugar de pessoas com realidades diferentes da minha, procurei compreender os que mais atingem e os que mais são atingidos pelas mazelas da sociedade, e com o tempo, aprendi o que era respeito, coisa que nunca me foi dada, nem mesmo (e muito menos) de mim pra mim mesma e que eu ainda não sabia como dar a mim, aos outros, ou como demandar. Se você me perguntar se eu já tô craque em tudo isso hoje, eu vou te responder bem honestamente que não, claro que não! Mas se você me perguntar se eu tento todos os dias, eu vou dizer que sim, sigo tentando todos os dias. Ainda não sei muito, mas entendo que é um caminho de aprendizado constante.


Hoje posso dizer que julgo mais importante pra mim a prática de não deslegitimação: do meu próprio sentimento, das minha atitudes e seus motivos e dos sentimentos, atitudes e motivos alheios. É tenso, viu… Os julgamentos instantâneos continuam brotando na minha cabeça, daquela antiga construção social na qual se baseava a minha vida e os meus valores. Eu ainda faço pré julgamentos de forma natural, principalmente sobre outras mulheres e sobre as coisas e pessoas num geral, e muitas vezes sem as conhecer. Mas sabe o que é legal? Eu já consigo me enxergar num ponto de atenção onde um minuto depois de julgar, eu paro e penso. Eu identifico o que eu senti ao pré julgar aquela pessoa e tento compreender o sentimento por trás da motivação e da própria reação em si, porque hoje eu entendo que a forma como eu ajo basicamente sobre qualquer coisa e qualquer pessoa diz muito mais sobre mim do que sobre a situação ou a outra pessoa. Sou especial por isso? Nem a pau, tampouco sou iluminada, isso é trabalho duro e constante, eu sou só um ser humano que tá se esforçando e merece reconhecer o próprio esforço. E digo mais, ainda tenho muito feijão com arroz pra comer até conseguir chegar onde eu pretendo, que é o momento onde a reação automática se torna a compreensão dos meus sentimentos e se transforma em respostas isentas de violência. Acredito que o mundo é mesmo muito problemático e cabe a luta, e também interpretação. Interpretação dos próprios sentimentos, das situações em geral, interpretação de texto… e infelizmente a nossa sociedade doente não tá disposta a entregar essa compreensão de mão beijada, a resposta precisa ser encontrada no nosso cerne.


Eu acredito no coletivo, sabe? Só que (em complemento e não contraponto) também vejo muito sentido em trabalhar muito bem nossas questões internas pra que possamos viver bem e bem em conjunto. Uma coisa que me ajudou muito a compreender melhor e buscar fazer melhores escolhas pra minha vida e a do coletivo foi a consciência de que a mudança que é realizada de dentro pra fora tem força estrondosa e nos potencializa na hora de lutar nossas lutas e enfrentar nossas batalhas. Habitualmente, antes de tudo e todos os dias, me lembro que: Cada um dá o que pode e o melhor que tem, considerando suas facilidades e também suas limitações, e tudo isso é trabalhoso e particular, mas nunca é um demérito.


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