Quando eu morava no Sul e os sopros gelados chegavam até nossa casa, acendíamos uma lareira para aquecer as mãos, pés e costas. Se piorasse, recorríamos a vinhos e comidas quentes para nos aquecer nessa estação que é romântica apenas nos livros, mas muito diferente para quem tem suas mãos rachadas, ou que trabalha fora. O frio assola, e não é à toa que fogueiras eram erguidas, que a chama doméstica nunca se apagava e a ignição flamejante continuamente trabalhava para nos proteger.
O frio tem cheiro de abóbora pra mim, tem sensação de pão sendo sovado e cremes sendo feitos. É a época que mais vi mulheres da minha família trabalhando para aquecer seus entes, aconchegar o estômago e nutrir o corpo. Fico pensando quantas vezes já observei e ajudei minha mãe que mesmo tremendo fazia questão de nos preparar algo para o café; O frio judia dos corpos, mesmo que o romantismo nos faz acreditar em uma maravilhosa Europa- Brasileira. Não, pelo menos não do lado de cá.
Hoje proponho um exercício de reflexão e ação nos tempos em que se recolher ao lar é mais do que fugir, proponho que sovem um pão. Sim, da maneira mais simples e fácil que puderem, sovem um pão. O pão é sem dúvida um dos alimentos mais antigos que temos registros, uma descoberta recente do pão Jordaniano data a sua história de mais de 14 mil anos. Pães tradicionalmente eram feitos com pelo menos três ingredientes, com uma ou duas farinhas – moídas em pedras, ou pilão – e acrescidas com água, sovadas e colocadas em fogueiras para assar. Então proponho que no dia mais frio que conseguirem, recorrendo a macetes antigos para sua massa crescer, busquem pelos fazeres tradicionais, da terra, dos povos, para contornar uma massa que depende de calor. Sovem essa massa a mão, transmitindo a sua força (vida) a ela, as 5 da manhã ou a 5 da tarde, não importa, não peça ajuda, não agora. Faça só, tu e teu conhecimento.
“Fazer pão? Qual a finalidade?”
Desmistificar. O tempo todo somos aturdidos por “isso ou aquilo” é bruxaria, ou “isso ou aquilo é o certo”, “isso é assim, aquilo é daquela forma”, parem. Quase todos os meus textos lançados aqui até então tem uma conotação simples, de fazer aquilo que pode com coisas que se tem, nada complexo, nada extraordinário. E se isso não for o suficiente para te convencer, tudo bem, pense de maneira mais ampla, faça um pão como um gesto de carinho para aqueles que trabalharam por ti durante tantos anos. Faça um presente simples, com tuas mãos, para trazer energia – vida! – ao estômago daqueles que caminham contigo. Volte atrás nas lembranças (as boas), sove enquanto visualiza uma chama púrpura e flamejante pulsando no teu peito e esse calor se estendendo para suas mãos, veja as pessoas importantes para ti cozinhando, foque em suas mãos de trabalho. Essas pessoas faziam a sua comida correndo para trabalhar? Essas pessoas faziam sua comida religiosamente para sair ao meio dia? Visualize! Busque nas suas lembranças esses momentos mais puros, mesmo que difíceis para alguns, quanto mais lembranças tu buscar, mais forte a massa deve ser sovada. Perceba, não é um exercício de meditação, é um exercício de transe. Ao primeiro descanso da massa, beba água, chá ou café, sente-se e se concentre em como eram essas reuniões, sinta como teu corpo possivelmente está cansado após um frenesi de sova. Perceba em como tu foi aquecido (a) durante todos esses anos.
Para nós, Brasileiros, São João é tempo de alegria, festejos e inúmeras comidas e bebidas típicas da nossa cultura Brasileira, mas estamos em tempos difíceis, acolham com sua magia, com ato simples de trazer acalento aos que são queridos pra ti. Abra tua mesa ancestral, com ingredientes que AINDA vem das lavouras, com especiarias faça bebidas quentes, com frutas aprenda a transformá-las em geleias, compotas ou misturas para fortalecer o corpo a ter saúde. Antes de sermos qualquer coisa, nós fomos nutridos, nos alimentaram, nos aqueceram, nos protegeram. Saiba retribuir e usar do simples para criar memórias, a magia está aí.
Ao descanso da massa, volte. O trabalho ainda não acabou. Seu pão cresceu? Se tu está em um local que o inverno é pouco e ele dobrou de tamanho, parabéns! Morar nessa terra (Brasil) nos permite ter em diferentes regiões, diferentes histórias com frio mais ameno (isso quando há). Agora se tu mora em um local onde o frio se faz presente, perceba que tua massa não irá dobrar de tamanho naturalmente, e é aí que entra o conhecimento popular. Como? Deixo de tarefa de casa, consultem suas avós, mãe, esposa, suas tias ou sogra. Perguntem a essas mulheres como elas faziam, veja como esse processo mágico – simples – caminhou pela sua geração, ou a geração de famílias vizinhas. Aplique no seu dia a dia. Não deixem que suas raízes se percam em prol de consultar em um livro algo que se poderia consultar com pessoas. O conhecimento familiar pode permanecer ou morrer com elas, tudo depende do teu resgate
OBS: É costume também abençoar a comida que se está fazendo, em alguns lugares da Itália, por exemplo, se faz o sinal da cruz antes de colocar o pão/massa no forno. Use da tua fé para abençoar aquele alimento, mas claro, não é requisito necessário, afinal, tudo o que ensinei aqui também não é uma forma de abençoar teu alimento com a tua força?
Assopre o pão e asse, está feito.
Anders Zorn – Brödbaket
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