Esta é a terra da Apúlia e Salento, quebrada pelo sol e pela solidão, onde até o céu é parcimonioso com a chuva que permite cair.
Aqui, entre a natureza cresce a aranha da loucura e da apatia, ela se insinua no sangue de corpos vulneráveis que conhecem apenas a ingrata labuta da lareira.
Aqui, entre os campos de trigo e as folhas de tabaco, cresce superstição.
Aqui, por centenas de anos, os genes pagãos desta terra parecem ter resistido às profundas mudanças da civilização.
Como aspecto social e cultural da vida, principalmente de natureza feminina, o Tarantismo faz parte do patrimônio cultural “não material” de Salento e de seu vínculo histórico e socioeconômico com a Grécia, cujos aspectos de música e dança permanecem na “dança pizzica” local, por sua vez relacionada à ampla variedade de estilos musicais expressados pelos “tarantelle” do sul da Itália.
O tarantismo como fenômeno é da mesma natureza que as próprias mulheres e o papel variável que a história humana lhe impôs ao longo do tempo.
Os seres humanos pré-históricos, quando começaram a praticar adoração e rituais, atribuíram à “mulher” em todas as coisas a natureza do criador, concedendo às mulheres um papel predominante.
A veneração de quem e o que gera vida diretamente – mulher e lareira – foi a base das primeiras formas de culto e arte figurativa, cujos traços permanecem na chamada Vênus de Parabita, duas pequenas esculturas ósseas femininas, valiosas representações paleolíticas, evidências do culto da Deusa Mãe, a Deusa Única da Criação.
Essa noção do papel da mulher como doadora da vida também está presente em civilizações pagãs pré-cristãs, como a da Grécia antiga, na qual já é possível identificar elementos da transição de uma linha essencialmente feminina, ligada ao culto da Deusa Mãe, a um homem fortemente orientado para o sexo masculino, como na tradição cristã, que atribui ao homem um papel de regulador e criador. Ao feminino, ao contrário, é confiado o papel de filha, mãe, noiva de Deus, como na Virgem Maria.
Essa nova identidade feminina é declarada abertamente por São Paulo de Tarso, que, em uma disputa com a igreja de Corinto, acusa as mulheres de estarem distantes da moralidade cristã, de moral frouxa e fomentadoras de cultos orgiásticos; ele concebe a mulher como “negatividade absoluta e tentação demoníaca”.
São Paulo também confirma o papel dominante dos homens, argumentando na primeira carta aos coríntios que “a cabeça de todo homem é Cristo; e a cabeça da mulher é o homem; e a cabeça de Cristo é Deus”. Assim, a mulher reflete Deus através da mediação do homem.
Essa teoria não é arbitrária, mas é exigida pelo apóstolo para justificar suas prescrições sobre o comportamento das mulheres na assembléia litúrgica: enquanto o homem, a imagem de Deus, pode entrar na igreja com a cabeça nua, mulher (quem é a glória do homem e de sua propriedade privada) deve cobrir-se como um sinal de sua sujeição a Deus mediada por sua sujeição ao homem.
Na transição do paganismo para o cristianismo e a transformação dos numerosos cultos pré-romanos e romanos, a nova religião criou um vazio que só poderia ser preenchido pela cooptação dos velhos costumes e comportamentos, profundamente enraizados em muitas comunidades, de acordo com suas próprias regras e modelos. O próprio apóstolo São Paulo estava ciente disso.
É sobre esses aspectos significativos da transição para o cristianismo que se baseia a interpretação (como identificada e discutida por De Martino) e a compreensão histórica do tarantismo.
O tarantismo é, portanto, descendente dos conceitos de culto pré-cristão, marcando a transposição da ideia de “criador” de uma linha feminina para outra masculina e a justificativa dos antigos ritos pagãos em um novo contexto religioso. Tornou-se o veículo de uma cultura que sobreviveu no mundo subalterno dos camponeses, fortemente ligada a uma visão supersticiosa, crítica e imatura da religião cristã, em uma área geográfica que vivia à sombra da igreja.
Nesta perspectiva, o simbolismo do taranta pode ser visto como uma maneira de transformar a condição das mulheres no Salento, no nível de sua vida cotidiana simples e no nível de sua vida privada, íntima e oculta.
A Grande Mãe é um arquétipo universal da feminilidade, expresso por meio de simbolismo coletivo que no tarantismo se manifesta traumaticamente. Do ponto de vista cultural, as raízes mitológicas e simbólicas do tarantismo estão intimamente ligadas à Grécia clássica.
Os Atos do Congresso sobre Tarantismo, (Atti del Convegno sul tarantismo) realizados em Gelatina nos dias 24 e 25 de outubro de 1998, remontam ao culto a Dionísio, deus orgiástico do vinho, fertilidade e natureza, aspectos fundamentais da mitologia grega.
O culto de Dionísio está ligado à música e à dança, para fins de catarse, praticada em Magna Grécia (como eram conhecidas as antigas colônias gregas no sul da Itália) e para a qual a justificativa teórica foi fornecida por Archytas, Clinias e Aristoxenus, Estudiosos pitagóricos em Taranto.
De ambos, o termo musical tarantella é derivado.
Os gregos antigos foram os primeiros a escrever extensivamente sobre os efeitos de picadas e picadas de animais nos seres humanos, especialmente aranhas, um animal simbólico em muitas sociedades, que somente nesta cultura assume conotação negativa, devido à doença induzida pela picada de aranha e o suposto perigo de contágio.
As semelhanças entre o ritual associado ao fenômeno no Salento e os ritos pagãos descritos na mitologia grega confirmam a ligação entre o tarantismo e a Grécia antiga.
Em seu Eutidemo, Platão explora a conexão entre a divindade pela qual a vítima estava possuída e uma melodia específica correspondia a ela. Ele discutiu o culto da deusa da terra e da fertilidade e a terapia musical dos Korybantes, que implicava a exploração de vários “humores musicais” na tentativa de curar a possível vítima da “mania telestética”, que indica um estado alterado de consciência.
Esses aspectos têm muito em comum com o simbolismo do tarantismo e suas práticas rituais, que sobreviveram por séculos, apesar de serem assimilados à cultura cristã.
Um exemplo significativo é o próprio conceito de patologia, que no mundo grego antigo e no tarantismo é entendido como uma forma de mágica, cujas práticas simbólicas possuem poderes milagrosos, incluindo o exorcismo.
Tradução de Pri Martinelli
De um estudo de Marta Porcino, estudiosa do patrimônio tangível e intangível do sul. Mulheres nas tradições folclóricas do Salento.
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