Das sentenças recorrentes no mundo da bruxaria moderna, tem aquela que diz “em perfeito amor e perfeita confiança”. Esta é uma declaração fácil de concordar e aceitar, e acredito que esta seja a motivação de base para que qualquer grupo seja ele de que qualquer tipo de Arte e/ou Espiritualidade. Há muito poder no trabalho coletivo, há muita riqueza de aprendizados compartilhados e multiplicados entre os membros. Há muita beleza nas conexões espirituais que as pessoas fazem umas com as outras.
Ao mesmo tempo, se isso de “perfeito amor e perfeita confiança” fosse algo tão simples de se alcançar, talvez pudéssemos observar uma mudança radical no nível das comunicações neste meio, desde que as comunicações que partem de um lugar equilibrado sempre refletem este contexto. Há anos observo o nosso meio sem poder reconhecer qualquer mudança neste aspecto, infelizmente. São geralmente os mesmos problemas e não raro as mesmas pessoas. Esta é uma constatação minha, lógico, sem retirar a minha parcela de responsabilidade deste saldo negativo durante o meu próprio processo. Sendo assim, tudo o que posso fazer é sugerir alguns questionamentos que já me fiz, e finalmente, sugerir outras vias de pensamento que me ocorreram no meu próprio processo e da minha comunidade. Não pretendo com isso convencer ninguém que já não esteja pronto a se convencer por si.
Com licença. Permitam-me.
Novos líderes espirituais brotam das sombras todos os dias, todos acreditando trazer uma receita única de como é possível fazer um coletivo “funcionar”. Vários se desiludem muito rapidamente, outros prosseguem caminhando, de tropeço a tropeço, enfrentando os desafios movidos ora por um sentimento de vocação, ora por pura teimosia. Existem também aqueles que têm uma motivação mais material, muitas vezes oculta, mas não é nesses que eu gostaria de colocar o nosso foco, mesmo que as questões a serem listadas aqui se encontrem bem evidenciadas nesses grupos.
Vocação
Talvez a primeira questão a ser levantada seja justamente essa inclinação, este talento, ou como alguns gostam de dizer, “missão”. Como firme defensora do livre arbítrio a ideia de uma missão divina compulsória me dá arrepios, e muito pelo contrário, a anarquista que mora dentro de mim prefere se denominar como uma pessoa de “visão”. O mundo realmente precisa de visionários, gente que se sente parte de um coletivo maior nesta necessária transformação da jornada humana sobre a terra.
Mas quem seriam estas pessoas? Existem várias! E de vários campos, de várias escolas filosóficas e áreas científicas. Talvez precisemos tirar nosso nariz da ideia de que religiões (ou filosofias/tradições) seja a solução (mágica) para os desafios da humanidade. Temos que começar a pegar a noção de que temos sido ao mesmo tempo, parte da solução e do problema também. Se não estivermos preparados a transcender as linguagens e as formas, se não estivermos preparados para abraçar as nossas diferenças, então somos definitivamente parte do problema. Tem sido mais fácil falar sobre estas coisas com que faz terapia do que aqueles que andam traçando símbolos no chão. É aqui que eu gostaria que me dissessem que estou errada, porque é triste, mesmo.
Controle
É importante que avaliemos se há ali no fundo uma necessidade de nos sentirmos superiores aos outros, pessoas ou grupos, nesta crença de que temos a “fórmula certa” para todo mundo. Isso geralmente parte de uma visão tremendamente distorcida no espelho. Aponte-me um ser humano que não tenha suas questões e fragilidades e diga-me se ele ou ela possui a constituição necessária para controlar a vida dos outros. Pelo contrário, a necessidade de exercer este poder sobre os outros geralmente nos conta uma história de vulnerabilidade, carência e necessidade de validação, e ainda é mais fácil direcionar o olhar para a vida do outro do que lidar com nossas próprias questões. Isso ainda nos leva a outra questão: se nos mostramos infalíveis, até que ponto as pessoas se sentirão inclinadas a lidarem com suas próprias fragilidades?
Penso que é saudável desmistificar esta história de ser humano ascensionado. Daquele ser “super espiritual” que não tem problemas e não tem fraquezas. Não existe isso de ser forte o tempo todo e todo mundo precisa de alguém em algum momento. Esse modelo simplesmente não se sustenta porque o pé é de barro, minha gente. É vital compreender que nesta vida estamos para aprender e ensinar o tempo todo, e então essa nunca é uma via de mão única. Se você não aprende com o estudante, você é certamente um ignorante da vida.
Forma x Função
Podemos dominar os conhecimentos de uma dada Arte, mas quanto tempo gastamos refletindo na meta disso tudo? Porque se é para criar mais do mesmo, a saber; conflitos, julgamentos, cancelamentos, fofocas, guerrinhas, paranoias, preconceitos e divisões, qual é o sentido disso tudo? Ainda acho que se é só isso que um grupo tem a oferecer, ele não tem como se sustentar por muito tempo, já que na falta de oposição vai rolar a compreensível autofagia: o próprio grupo começa a desmoronar porque está habituado ao conflito constante.
Talvez a meta (e aqui só estou sugerindo) seja o autoconhecimento, a busca do poder pessoal (o poder sobre si mesmo), destruir os paradigmas, expandir os horizontes, criar conexões significativas e tomar as rédeas da nossa própria vida? Talvez? Talvez seja mais, talvez você possa pensar em mais um milhão de metas.
E se concorda, me responda por favor: porque se anulam a vontade própria das pessoas? Porque se criam modelos onde as pessoas se tornam dependentes espirituais? Por que a auto responsabilidade é diminuída nos processos em favor de “forças” externas misteriosas? Que diferença há nisso se compararmos com qualquer religião que tenha um diabo para tomar a culpa? Como pode a ignorância e o preconceito de repente virarem doutrinas? Esta é sem dúvida a melhor forma de não crescer.
Um grupo é tão forte quanto seu indivíduo mais frágil. Esta foi uma lição muito importante nos meus anos de caminhada. Um coletivo nunca é de criação exclusiva de quem o fundou, mas uma criação coletiva, com suas partes boas e ruins. Vamos fazer uma analogia bem simples: Você traz ovos e diz que isso é bolo, mas tudo o que você tem são ovos. Você vai precisar da farinha, da manteiga, do leite, do fermento. Se você não abrir este espaço em sua receita, você vai comer ovo mexido, e muito provavelmente, sozinho. Isso só vai refletir você, e vai durar enquanto isso for novidade para os curiosos que vão chegar e partir. Um coletivo é uma união de partes individuais, assim como uma família não se faz só com um pai. Se você não valoriza as pessoas, esteja pronto para ser medido com a mesma régua.
Vantagens e desvantagens
Quando você começa a pensar em montar seu coletivo (seja ele de qualquer denominação), todas estas questões têm que ser conversadas com todas as partes que constituirão esta constelação. Todo mundo tem que estar consciente de seus papéis e espaços, suas fortalezas e vulnerabilidades, bem como a direção e meta. Estar consciente do desafio é ter a noção precisa de que as desvantagens são múltiplas e que o nível de entrega é imenso. Muito ônus para pouco bônus. Que pessoas virão e partirão e tudo bem, porque é típico da jornada humana experimentar os lugares e às vezes leva tempo até se fixarem em algum porto. Lembrar da motivação primária, da meta de tudo isso, é aceitar que existem paraísos diferentes para pessoas diferentes. Todo o resto é a nossa necessidade de controlar e exercer poder sobre o outro. Respire fundo, relaxe. Você não está no controle de nada.
A vantagem é o sentimento de que estamos com aqueles que realmente amamos e confiamos, a quem conhecemos tão profundamente como nossos espelhos. Que apesar da jornada ser individual, temos quem nos erga nos tombos mais doloridos. Meus amados, aliados, cúmplices, aqueles que quero ao meu lado em vida e esperançosamente depois da morte. Há nisso um sentimento residual que vai reforçando a nossa fé de que tudo está perfeito na Criação, apesar de tudo.
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