Conta uma lenda sufi sobre um ancião que está sentado à beira de um poço no oásis.
Um jovem viajante pergunta-lhe que tipo de pessoa vive naquele oásis, o que o velho responde com uma pergunta: “que tipo de pessoa vive no lugar de onde você vem?”. “Oras, um povo de egoístas e malvados”, disse o rapaz. O velho então diz “A mesma coisa você haverá de encontrar aqui”. Passado um tempo outro jovem viajante lhe pergunta a mesma coisa. O velho novamente pergunta: “que tipo de pessoa vive no lugar de onde você vem?”. “Ah, pessoas amigas, honestas, hospitaleiras!”, ao que o velho replica: “A mesma coisa você haverá de encontrar aqui.”
Pode parecer uma grande contradição, mas é grande a sabedoria do ancião. Não tem a ver com onde os olhos repousam, em escolher enxergar somente o que é bom, mas com a nossa atitude em relação ao mundo.
Todos nós temos um grande potencial para criar uma esfera harmoniosa, pacífica e amorosa. Ao mesmo tempo, isto implica numa grande responsabilidade de criar esta esfera primeiramente dentro de nós mesmos, e depois, agir. Contudo, na maioria das vezes, espera-se que as outras pessoas sejam as responsáveis em mostrar-nos a constituição de uma determinada esfera social e a noção re-“ação” se seguirá de acordo. Escolhemos ser re-“agentes”. Se cada um de nós é um elemento diferente, será que estaríamos dispostos a mudar para que o resultado desta química mude?
Se voltamos os olhos para nossas vidas com cuidado, poderemos notar como este fluxo re-“ativo” tem tomado grandes proporções: em casa, com os amigos, com os colegas de trabalho. Podemos notar que é mais fácil reclamarmos do que tomar a responsabilidade e as rédeas da mudança. Hoje queremos mudar o mundo, mas se a nossa própria vida está uma bagunça e nossas relacionamentos estão ruins, como fazemos isso? Se estamos sem capacidade para mudar a nós mesmos, então imagine o vizinho, imagine ainda tentando fazer isso à base de grito…
Ainda é mais fácil culpar o outro pelas nossas falhas. Mas oras, se não mostramos o que é respeito, como podemos assumir que o outro saiba o que é isto? Se não mostramos aceitação, como podemos assumir que seremos aceitos? E se confrontados com ódio, seria o ódio uma resposta adequada?
Talvez só esteja faltando amor e coragem em nossas interações. Mas primeiro temos que encontrar estes dois elementos dentro de nós mesmos. É aqui que sempre insisto no “olhar para o espelho”. De verdade. É necessário que enfrentemos o nosso maior opositor, aquele juiz implacável que te olha de volta lá do outro lado do espelho. É preciso ter coragem sim, porque é necessária a apropriação de todas as suas imperfeições e virtudes, e para isso honestidade é a chave deste inferno-paraíso que é você. Se você não estiver pronto para se aceitar, como você pode esperar – ou demandar – que o mundo te aceite? E mais: como você poderia aceitar os outros?
Quando finalmente aceitamos este conjunto de “obra em progresso” que somos, boa parte das nossas ansiedades sociais se resolve. E ninguém pode tirar esta essência que é verdadeiramente nossa. Você não se sente mais provocado porque você não precisa defender “o que você é”. Há uma grande liberdade nisso, e com esta liberdade, fica muito mais fácil entender que todo mundo tem seus desafios pessoais, que todos são “obras em progresso”.
A partir desta compreensão, o que os outros dizem de você toma a relevância de um perfume ou um peido carregado pelo ar: Passa. Daí também vem o senso que aquele que cultiva sua horta faz mais do que mil infrutíferos debates anti-capitalistas de internet. Que sua sempre crescente família tem mais força do que qualquer partido político, que o seu exemplo fala mais alto do que mil discursos, e que um líder só se eleva quando ele ou ela honra em primeiro lugar os seus pares e a sua terra.
Não deixemos mais que a forma de agir dos outros defina a maneira em que vamos atuar no mundo. A mudança que queremos está dentro de nós mesmos. Basta ter amor e coragem para enxergar.
Créditos da imagem: Pixabay
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