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Foto do escritorEduardo Regis

Os Crânios Sagrados dos Bamileke

Os Bamileke são um povo que está localizado no que hoje conhecemos como República dos Camarões, na África. Eles são um povo ligado ao grande grupo dos Bantus, mas com uma pitada forte de influência Nigeriana. Pouca gente escuta falar dos Bamileke, mas a verdade é que são um povo rico e fascinante. Uma de suas facetas mais incríveis é sua instituição de culto aos crânios.

A coisa toda ganha ainda um contorno mais fantástico quando Lamy Kandem, em seu livro sobre o culto de crânios nesse povo, afirma que sua origem estaria no antigo Egito, mais especificamente na revolução religiosa do Faraó Akhenaton. Minha reação ao ler sobre origens no antigo Egito é sempre de descrença e eu não vejo Kandem apresentar argumentos convincentes quanto a esse fato. De toda a sorte, é possível que seja algo parecido com o que ocorreu em um estudo que foi feito dentro os Iorubás no qual o autor perguntou sobre a origem de seu povo: a maioria respondeu que era no Egito antigo. É preciso saber lidar com as percepções do povo sobre si mesmo e com o que a história e as evidências concordam ou não.

A Morte e os Bamileke

Para os Bamileke a morte é a entrada para o plano dos ancestrais. A terra dos ancestrais será a morada do morto por um tempo até que este retorne a terra, geralmente na mesma família. Essa noção é encontrada em outras etnias africanas, na verdade. De fato, é comum em diversos povos que crianças recebam o mesmo nome de antepassados, por se acreditar que elas sejam o mesmo reencarnado. Isto geralmente é identificado por meio de sinais ou trejeitos da criança.


A morte é, portanto, um evento fundamental. Como tal, é celebrada e ritualizada fortemente. A observância aos rituais funerários é fundamental para que o equilíbrio entre o mundo dos vivos e dos mortos seja mantido. Portanto, quando alguém morre, tudo é feito de maneira muito atenta.


Morrer velho e em casa é uma coisa boa para eles. Morrer jovem e longe de casa, é péssimo. A maneira da morte irá ditar a ritualística. Uma morte esperada e boa será, com certeza, ritualizada corretamente. Uma morte repentina ou distante de casa pode complicar os rituais e isso pode levar a uma jornada turbulenta ao mundo dos ancestrais, o que, por sua vez, pode significar problemas para a família do morto.

Os Crânios Adorados

Após a morte, ocorre uma cerimônia de renascimento simbólico que envolve os crânios – é quando o morto é trazido novamente ao mundo dos vivos, de certa maneira. Ou seja, é uma solução para que o defunto possa interagir com os viventes. Os crânios são colocados em um lugar especial chamado de “Casa dos Crânios” e cada família deve ter uma casa dessas.


Se você está achando que a “Casa dos Crânios” é um lugar sombrio, cheio de poeira e teias de aranha – engana-se. A casa e os crânios estão lá como uma ponte direta entre os vivos e os mortos. Não é à toa que os crânios são recuperados. Não é só para enfeitar, também. Os ancestrais são frequentemente consultados- e eles falam!


Porém, os crânios não são simplesmente desenterrados e colocados em sua casa. Há uma cerimônia específica para o momento da coleta de um crânio.  Um morto, em vida, preferencialmente havia escolhido um “herdeiro”. Esse “herdeiro” irá coordenar seus ritos funerários e também a coleta de seu crânio, muitos anos depois da morte. Além disso, esse “herdeiro” é quem vai realizar as comunicações com esse morto. De fato, o morto avisará quando está pronto para ter o crânio coletado. Geralmente, o “herdeiro” é o filho mais velho do morto.

Mais que Memento Mori

Pegar o crânio de um ancestral e coloca-lo em exposição vai muito além de uma lembrança macabra da morte. É um ato espiritual de integração entre os que vivem e os que estão mortos, estabelecendo um contínuo entre a existência, uma conexão que além de íntima é infindável.


Para nós, ocidentais, lidar com restos mortais costuma ser algo impensável. O próprio velório, no qual somos obrigados a encarar o corpo inerte já nos horroriza e nos vira o estômago. Não sabemos encarar o nosso próprio reflexo no espelho da tumba. Os Bamileke, porém, sabem. Entendem a importância de se manter o contato com os que já foram e como os laços familiares são reatados a cada comunicação com eles. Se aqui seguramos um crânio para nos perguntarmos “Ser ou não ser?”, lá eles encaram as órbitas vazias e escutam os maxilares imóveis respondendo: “Sempre seremos”.

*Imagem de capa de autoria de Lamy Kandem – Umcrânio após ser exumado e sendo tratado ritualisticamente.

*Segunda imagem, povo Bamileke dançando.

*Terceira imagem retirada de: https://museum.wales/articles/2010-01-22/The-face-of-a-6000-year-old-man/

*Quarta imagem, Tom Hiddleston interpretando Hamlet.

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