Reflexões de fim de ano não atacam quem se ocupa todos os dias de enrolar e de desenrolar arrependimentos profundos e amarguras insalubres. Não há mais espaço para golpes no corpo de Cesar caído no senado.
Para ser à prova de balas, basta morrer, em outras palavras. Eis o super-homem: aquele que passou da matéria para imatéria e cujo espírito não existiu jamais ou que agora se dissolve em nada. Pois o que ainda tem veias e ossos e músculos e carrega o peso tremendo de uma alma pulsante, este é o mais ignóbil de tudo jamais manifesto.
Espanto-me diante do Apolo que inspirou poetas, santos e cientistas. Não vivo em abóbada de luz e não porto a palavra da profecia. Apolo encara-me com escárnio. Ele jamais deixaria de ser ele mesmo e eu procuro livrar-me de quem sou constantemente. Talvez seja essa a diferença entre homens e Deuses.
Fui desleal. Fui desonesto. Fui preguiçoso. Fui malicioso.
Sou impaciente. Sou colérico. Sou pessimista.
Tudo que fui voltará a surgir. E o que sou hiberna apenas para despertar faminto logo mais. Há como impedir o homem, afinal, de falhar? Há sentido em acertar sempre e constantemente sentir-se maior do que as coisas outras todas?
Não desejo ser infalível por princípio, mas, sinceramente, apenas para livrar-me do martírio da minha culpa. Não suporto saber que fiz escolhas que hoje desaprovo, mesmo que algumas eu não tenha feito e tenha apenas sido feito algo de mim por uma coisa qualquer da minha natureza.
Para ser super-homem, porém, só com a destruição última. Apolo sussurra-me que Deuses não morrem jamais e, portanto, só lhes basta apenas ser e que nessa simplicidade jaz o mistério do sagrado.
Não sei se entendo o Délfico. Não sei se alguém realmente seria capaz de entender. Como o homem pode vislumbrar algo que não passe pelo seu fim?
O imortal e o infinito ninguém jamais contemplou ou alcançou com a razão. E apenas ser sugere quase uma vida análoga à dos animais. Como seria isso?
O super-homem está e sempre esteve morto e em sua inexistência ele faz apenas o que fazem melhor todos os mortos: nos assombra!
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