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Foto do escritorEduardo Regis

Meu caralho de pedaço de céu

Este foi um sonho muito estranho. Encontrava-me numa caverna em uma montanha, mas esta caverna era um mosteiro, onde eu estava sentado com os outros monges traduzindo e embelezando os textos sagrados. Verdade seja dita, eu fazia esse trabalho há tantos anos que não era de se admirar que estivesse sonhando com o que eu passava a maior parte das minhas horas de vigília fazendo. Mas logo eu me aposentaria e viajaria um pouco, e me permitiria um pouco dos prazeres proibidos do mundo, uma mulher ali, um homem aqui, um pouco de carne demais para comer e um tanto de vinho demais para encher minha barriga de vez em quando. Isso porque quando um monge viaja para longe do mosteiro todos sabem que Deus não está prestando muita atenção.


Enfim, esse sonho ficou interessante porque lá fora da caverna eu vi um homem vestido com uma túnica marrom simples como a minha, mas ele era mais alto e tinha um brilho diferente. Então, vi duas chaves balançando, penduradas em suas mãos, e logo percebi que era São Pedro, a pedra da Igreja.


Que honra! Especialmente para um monge preguiçoso como eu, que na verdade nunca teve qualquer grande coisa espiritual acontecendo em orações, visões ou sonhos.


Então, é claro que me senti meio realizado, digamos, com a pedra fundamental da Igreja aparecendo para mim neste sonho que começou de repente a se tornar bem interessante. Levantei-me de minha humilde escrivaninha e dirigi-me ao Santíssimo São Pedro, que estava ali de braços cruzados como em oração e, ao me aproximar, fingi limpar a garganta para anunciar minha presença. São Pedro abriu um dos olhos pela metade, e fingindo que não me viu permaneceu imóvel. Limpei a garganta novamente – um pouco mais alto desta vez, e mais uma vez o desgraçado abriu o olho esquerdo pela metade e fingiu que eu não estava lá.


Era claro para mim que isso era um sonho e tudo mais, então eu arrisquei um pouco mais e dei-lhe um cutucão amigável no ombro. E isso funcionou: ele se levantou tão subitamente que quase caiu. Aparentemente, o empurra e puxa em sonhos pode ser bastante forte!


Depois de ser tirado de seu estado de oração, ele olhou para mim. Sim, para baixo, porque ele era muito alto! Muito mais alto do que eu esperava. E ele estava olhando para mim como se eu fosse algo desagradável e estranho. Observando este olhar antipático, comecei a ter minhas dúvidas. Então perguntei:


“Você é o Santíssimo São Pedro?”


Ele olhou para mim como se eu fosse um idiota e balançou a cabeça, como se dissesse “claro que não”, com as chaves balançando em suas mãos enquanto ele balançava a cabeça. Será que ele estava mentindo para mim? Será que é mesmo possível para um santo mentir? Então eu perguntei novamente.


“Você é São Pedro, não é?”


Novamente ele balançou a cabeça, desta vez com uma risadinha, mas com um olhar paternalista e com uma voz suave, quase sussurrada, disse: “Não, eu não sou”.

Eu me senti provocado, o que é uma sensação rara para mim, mas neste momento eu apenas fui ríspido e puxei seu manto dizendo:


“Ei, Senhor Pedro, pare de brincar, você é o Pedro, não é!?” E desta vez ele deu uma risadinha e seu olhar tornou-se mais amigável quando balançava a cabeça.


“Sim, claro que sou!”, disse ele olhando para baixo, balançando as chaves de prata e ouro na frente dos meus olhos. Entendido. Quando você pergunta sobre o óbvio, é esperado algum sarcasmo até mesmo no céu. Assim, com a identidade de Pedro estabelecida, é claro que fiquei curioso em descobrir o significado por trás desse sonho tão incomum. E a melhor maneira de descobrir o significado do sonho provavelmente seria perguntar diretamente o que pensava e assim o fiz:


“Então… oh Santíssimo São Pedro, por que você está aparecendo no meu sonho?”


“Sonho?” Ele respondeu, “o que te faz pensar que isso seja um sonho?”


“Bem, é como eu estou sentindo, mas se isso não é um sonho, o que é?”


“Cara, isso não é um sonho. Você está morto.”


“Morto?!” – sacudi minha cabeça em descrença, mas depois de 43 anos como monge eu deveria ir para o céu e então isto não era nada como o céu que eu imaginava, que, devo confessar, tinha porões proibidos e picantes além da pacífica felicidade.


“Sim, você está morto. Morto, morto, morto. Mortinho da Silva!” – agora ele estava me dando mais um de seus olhares sarcásticos.


“Mas… São Pedro, eu não deveria ir para o céu se tivesse morrido?”


“É lógico”, ele me respondeu, “este é o seu céu.”


A este ponto me senti muito errado e esquisito. Como este poderia ser meu céu? Se eu fiz tudo aquilo por 43 anos na terra, então eu poderia fazer outra coisa no céu. Um pouco de paz e amor e um pouco de delícias para a carne espectral era o que eu tinha em mente. São Pedro obviamente tinha o dom de ler meus pensamentos, e então ele falou antes que eu formulasse a questão:


“Cara, este é o céu que você tem rezado para vir por mais de quatro décadas. Finalmente você está aqui!”


“Eu certamente nunca rezei para que este fosse meu céu. Nunca, São Pedro!”


“Ah não? Então o que você diz da frase ‘Venha à nós o vosso reino, assim na Terra como no Céu’”?


“Sim, esta é a oração do Senhor”


“Então… este é o seu céu.”


“O que você quer dizer?”


“Terra, Céu. Mesma coisa…”


“Então meu céu é viver toda a eternidade fazendo o que eu fazia na terra?!”


“Exatamente, assim como na oração, terra e céu são tipo… a mesma coisa, só que um é temporal e o outro é eterno…”


“Que merda!”


“Ah, pára de blasfemar!!”


“O quê?!”


“Quê!”


“Ah, merda…”


“Amén!”


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