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Medo e Fascismo na Aldeia Global

Entender um pouco sobre como o cérebro funciona pode nos ajudar a entender melhor como estratégias de manipulação têm sido usadas para as mais variadas finalidades. Você pode até achar que não está sendo manipulado, mas sem saber como isto ocorre como você poderia ter certeza disso?

Quando confrontado com estímulos o nosso cérebro – através da amígdala – percebe estes estímulos e reage a eles; uma excitação é causada. Essa excitação é então interpretada pelo hipocampo e pelo córtex pré-frontal que fornecem contexto para os estímulos que causam esta excitação.

Este caminho de informação é o que causa o pensamento, o que acessa a nossa memória, que leva ao julgamento, à formação da nossa personalidade e que constitui a nossa história de aprendizado. Contudo, quando experimentamos uma excitação que interpretamos como o ameaça, o cérebro rapidamente identifica esta ameaça e dá o impulso necessário para promover o comportamento adequado para se manter seguro: atacar, correr ou congelar.


Isto significa que quando a amígdala está ativa, estamos forçados a nos manter em estado de alerta, e assim, há pouco espaço para aprendizado, ponderação ou reflexão. A informação simplesmente é empurrada para uma reação mais primitiva, que é a de auto-preservação. Todo o resto fica em segundo ou terceiro plano. Simples assim.


Se você está irritado ou com medo, você não está pensando direito


Com a ascensão mundial do conservadorismo político (extrema direita, ou alt.right) mais rígida e inflexível, podemos observar a criação das mais temíveis sinfonias de ameaças imaginárias e outras “potencialmente” reais para evocar a atenção do povo. Estamos testemunhando a ascensão dos demagogos.


Um demagogo é aquele político que apela a desejos e preconceitos da população, em vez de explorar argumentos e situações em virtude do raciocínio e da lógica.


Temos na mesma linha a ascensão do populismo, que, colocando em termos simples, é o político que busca aprovação ao instigar a polarização, tendo como fundamental a presença do inimigo para sua existência e manutenção. Quando um regime se concentra em moldar um inimigo, recorre-se a quaisquer meios necessários para a população se sentir prejudicada, amedrontada, paranoica e subjugada. Aqueles que permitem que o momento da reflexão ocorra após o alerta da amígdala e se encontram incapazes de perceber o inimigo geral como uma ameaça real se tornam, de repente, inimigos. Esta é uma ferramenta poderosa, o dedo apontado surge com todo o vocabulário desumanizante usado para definir o bode expiatório. E o inimigo se torna um “verme”, uma “praga” ou “doença”.


Estamos realmente vivendo em tempos interessantes; na verdade, é o culminar de um ciclo que começou no final da década de 70, com o valor do dinheiro sendo deslocado do ouro e imposto à idéia arbitrária e fictícia de valores que gerou o mercado de ações. Depois, chegamos à era da internet e da globalização. Ao observar o fenômeno da globalização e o aumento das atitudes xenofóbicas, podemos observar que existe o medo da mudança e da atitude social. A xenofobia é um medo ou ainda, uma ansiedade, pois geralmente é uma condição emocional “reativa” causada pela presença do “outro”, àquilo que é estranho e carece de referência e definição no mundo pequeno e previsível de uma pessoa.


Na mesma linha está o racismo, a homofobia e até mesmo o machismo.


Pesquisadores como Kenneth Gergen (The Saturated Self: 1991) e Anthony Giddens (Modernity and Self-Identity: 1991) apontaram que o aumento de informações em nosso dia-a-dia tecnológico gera um mundo intensamente saturado e, portanto, o organismo humano entra em uma paralisia introvertida crônica, porque é impossível processar e entender todos esses dados e informações.


E em um mundo saturado, a melhor maneira de chamar a atenção de alguém é através do medo. Voltemos novamente ao cérebro: esta é uma resposta fantástica aos estímulos que simplesmente coloca o organismo em estado de alerta, onde em uma situação potencialmente perigosa ou ameaçadora vamos atacar, correr ou congelar. O medo é uma faculdade tão simples, tão primitiva e tão necessária que é incrivelmente fácil de manipular.


A presença do medo é como o fascismo liga as pessoas à sua causa e gera, com elegância primitiva, um grupo que odeia o que não se encaixa em sua caixa devido ao constante espancamento da amígdala com a necessidade de avaliar qualquer forma de estímulo como potencialmente hostil. E a barra de medida? É sempre em referência à pequena bolha gerada por um mapeamento temeroso do que seja um “mundo seguro”.


A Universidade de Yale 2017 publicou um estudo focado no medo e segurança binários em relação às opiniões políticas e o que este estudo descobriu foi que o medo gerava atitudes mais conservadoras. Ou como se resumiu no estudo:


“Portanto, concluímos, que fazer com que as pessoas se sintam mais seguras em relação a um vírus de gripe perigoso deve acalmar seus medos sobre os imigrantes – e fazê-las sentir-se mais ameaçadas pelo vírus da gripe deve fazer com que fiquem mais contrárias à imigração do que eram antes. Em um estudo de 2011, meus colegas e eu demonstramos exatamente isso. Primeiro, lembramos nossa amostra nacional de liberais e conservadores sobre a ameaça do vírus da gripe (durante a epidemia de H1N1) e depois medimos suas atitudes em relação à imigração. Depois, simplesmente perguntamos se eles já haviam tomado a vacina contra a gripe ou não. Descobriu-se que aqueles que não receberam a vacina contra a gripe (sentindo-se ameaçados) expressaram atitudes mais negativas em relação à imigração, enquanto aqueles que receberam a vacinação (se sentindo seguros) tiveram atitudes mais positivas em relação à imigração”.


Outros estudos feitos por Napier e seus colegas em Yale também sugerem que crianças que crescem em lares muito protetores, focando na segurança e nos perigos de “lá fora”, que sempre lembradas sobre o quão perigoso tudo é, tendem a não apenas desenvolver atitudes conservadoras politicamente falando, mas também se tornam menos exploradoras, mais temerosas do desconhecido e mais desagradáveis. Naturalmente, isso pode ser mudado, na presença de espaços seguros e na ausência de ameaça, mas uma pessoa já ligada a ver o mundo como hostil sucumbirá com pouco esforço ao medo que se sente tão bem.


A desumanização no Brasil é vista na forma em que mulheres livres são chamadas de “vadias”, onde pobres são chamados de “vagabundos”, gerando um pensamento de “violência justificada”.


Os demagogos/populistas veem o valor de usar essa força poderosa para esculpir e mudar o temperamento de um povo, porque, em nome do medo, teríamos “o direito” de derrubar a ameaça e nos livrar do “do que é nojento”, dos “vermes”, “vírus”, “bandidos” que ameaçam nos destruir… Só que estas são palavras carregadas de conteúdo emocional, designadas para gerar medo, revolta e nojo. A única cura para isso é deixar de aceitar os julgamentos pré-estabelecidos e denominações desumanizantes oferecidos por estes líderes políticos da aldeia global. Temos que fazer uma pausa para analisar os estímulos que nos chegam, para permitir que o cérebro convide o contexto e reflexão em torno daquele medo e finalmente parar de ver a corda e a cobra como coisas igualmente perigosas.


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