top of page

Magia, prática e liberdade


Tente fechar seus olhos por um instante e imaginar um ser livre. O que você vê? O que você sente?


Talvez tenha imaginado um pássaro cortando sem pressa o ar. Ou um peixe deslizando por entre as águas primevas do mar. Ou ainda o fogo ganhando terreno com sua dança, consumindo tudo que toca, sem se preocupar em pôr freio. A natureza é livre; e talvez ela o é porque o que é, ela é por inteiro. É livre até na árvore fincada na terra que não parece ter meios para se deslocar, a árvore que pela semente, nem que seja de carona, acaba aprendendo a voar.


Talvez você tenha pensado simplesmente em você mesma, nesse ser natural, nesse produto complexo da síntese elemental. Você é de fato um espírito livre, mas ouso dizer que existe uma imensa possibilidade de que você não se sinta assim.


Eu, com certeza, não me sinto. Mora uma rebelde dentro de mim. Que questiona tudo o que há, que em sua ânsia por liberdade recusa insistentemente se conformar. Essa rebelde me inquieta, me cutuca, alimenta meu movimento, minha essência peregrina, mas por outras atrapalha porque sabota a minha disciplina.


E esse é o ponto onde eu quero chegar.


A vivência da minha magia está assentada na fronteira do meu ser com meu estar. No fundo, com ela eu procuro a tal liberdade de tudo que não cabe nesse estreitíssimo lugar.


E eu só posso ser livre, se puder me conhecer de verdade, pelo menos o suficiente para identificar o que aqui dentro é meu, é real, e o que eu fui comprando por milênios de construção social. E como posso me conhecer sem praticar? Sem usar meu braço masculino para abrir a fórceps o caminho por entre os meus acúmulos de distrações e de desejos. Porque essa minha rebelde não é simplesmente pura ou a voz do coração. Ela também carrega, arrastando atrás dela, uma pilha de ilusão.


E ela tem alergia a qualquer tipo de doutrina. Ela se avermelha e se coça inteira sempre que eu tento impor a ela algum tipo de rotina. Quando eu tento ditar – “você tem que meditar, todos os dias. Acender vela, queimar erva, fazer qualquer coisa dessas, pra chamar isso de magia” – eu já ouço lá no fundo a risada de escárnio dela, me lembrando da riqueza que só o caos dela me revela.


Chega até ser engraçado esse meu paradoxo ambulante.


E às vezes até consigo ver a imagem projetada dessas energias dissonantes. De um lado o Legislador, a quem eu devo tanto, que me ensina a domar, organizar e forçar direção nesse meu bicho solto. De outro a Rebelde, que só respeita o que sente, que não aceita nada de fora, que não lembra, não faz planos e só vive no agora.


Já bati tanto a cabeça, com esses meus seres em conflito, questionando se um mais certo ou mais errado mesmo existe, que estou quase desistindo do juízo de valor. Tem dias que eu sento, eu pratico, teorizo, mas tem dias que o meu feitiço é só mesmo a minha dor. Ou até o meu sorriso, quando o dia está pra mim, quando o que eu quero é só água, sol na pele e jardim. 


O que incomoda na verdade é toda essa culpa, por fazer, por não fazer, por arranjar desculpa.


Quando eu paro e penso com carinho, é isso tudo que eu sinto, que o meu ser pouco maduro exagera nos instintos. E que também força a barra tentando pôr ordem, porque no fundo tem pavor que os meus medos transbordem.

Ainda falando sobre a tal da liberdade, não consigo ser livre se for só pela metade. Para chegar lá talvez tenha que propor um casamento, entre o que me ajuda a me ordenar e a senhora dos meus ventos. 


bottom of page