Um fato interessante é que as superstições são tão antigas quanto a própria humanidade e também tão usuais quanto qualquer outra atividade humana.
Hoje há certa crença de que toda a “magia” das bruxas europeias estivesse alinhavada com os deuses antigos, mas nem sempre isso foi verdadeiro e nem todos que praticavam “magia” eram sacerdotes de deidades. Magia era algo que qualquer pessoa poderia fazer, com diferentes graus de eficiência, diferentes graus de conhecimento, e diferentes formas de transmissão. Este tipo de magia amplamente difundida era o que hoje conhecemos como “folk magic” (magia popular), ou no Brasil, como “simpatia”. A simpatia feita com reza, com rima ou com simples elementos “simpáticos” (simbólicos) sempre esteve persistentemente presente na vida de vários povos. O Brasil tem um enorme repositório de “rezas” de benzedeiras que remontam de um tempo de degredo, muito bem preservadas e transmitidas sem o excessivo zelo das novas tradições que nasceram nos anos 60.
Mas nem o que se entende sobre as práticas camponesas europeias parece fazer muito sentido quando vamos para um período anterior ao Malleus Malleficarum (1486), que informou muito do que se entende genericamente como bruxaria. Anterior ao Malleus, encontramos o Indiculus superstitionum et paganiarum [1], o Index de Superstições e Práticas Pagãs da Alemanha (de cerca de 740 dC) com uma variedade de práticas populares que em certos momentos soam como pertencentes a um determinado culto, em outros envolvendo os novos mitos cristãos e em ainda outros, como simples práticas campesinas. Foi a partir deste index que o Malleus Malleficarum foi formatado, assim como todos os manuais para detectar heresias através dos séculos que se seguram. Segue a lista:
a) Sobre o sacrilégio das sepulturas e dos mortos.
b) Sobre o sacrilégio dentre os mortos enterrados.
c) Sobre os festivais de purificação em Fevereiro
d) Sobre as casinhas, ou seja, oratórios para os deuses
e) Sobre sacrilégios realizados nas igrejas
f) Sobre lugares sagrados nas florestas, que são chamados de Nimidas
g) Sobre as práticas que são realizadas no topo de pedras
h) Sobre os serviços a Mercúrio [=Odin] e Júpiter [=Thor]
i) Sobre sacrifícios, que são dados a um santo
j) Sobre amuletos e fitas mágicas
k) Sobre sacrifícios nas fontes
l) Sobre encantamentos mágicos
m) Sobre augúrios por meios de pássaros ou cavalos ou pelo esterco de bois ou de seus rins
n) Sobre a adivinhação e sortilégio
o) Sobre fogo produzido pela fricção de madeira, ou seja, o Need-fire
p) Sobre os cérebros de animais
q) Sobre as observações pagãs da lareira, ou o acendimento destas coisas
r) Sobre lugares incertos, que eles mantêm sagrados
s) Sobre o feixe de palha, que o povo comum chama de Santa Maria
t) Sobre os festivais, que eles dão a Júpiter (=Thor) ou Mercúrio (=Odin)
u) Sobre a lua minguante, que eles chamam de Vince Luna
v) Sobre tempestades e chifres e colheres
w) Sobre os sulcos ao redor dos quintais
x) Sobre o encontro pagão chamado Irias com roupas e sapatos de espinhos
y) Sobre a crença que eles têm de considerar pessoas mortas como santos
z) Sobre ídolos feitos de massa
aa) Sobre ídolos que eles carregam pelos campos
bb) Sobre pés ou mãos de madeira de acordo com a prática pagã
cc) Sobre a opinião de que os corações das pessoas podem ser levados de acordo com os camponeses, como as mulheres conjuram a lua.
Podemos então concluir que o que é religião para uns, é superstição para outros. Que não existe qualquer coisa que podemos definir como “pureza” quando falamos de magia. Que magia exista dentro do próprio humano que opera com ou sem intercessores. Que magia seja esta arte de transformar as coisas: seja através de um fetiche, de uma devoção, oração ou por colocar a simples imagem em ação… imaginação.
[1] Lords of the Left-Hand Path, Stephen E. Flowers, Ph.D. pg. 143-144
Imagem: sciencesource
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