O terceiro filho de José era manco da perna esquerda e o padre vivia dizendo que isso era culpa do seu sumiço das missas. Na hora que soube que viria o quarto, José passou a frequentar a missa. Primeira fila. O padre sorria para ele, ele sorria de volta para o padre.
“Filha da puta”.
O filho nasceu e veio um moleque perfeito, menos pela testa que tinha dois chifres. O Padre saiu gritando pela cidade que José tinha feito um pacto com o sete peles. Na verdade, o pobre do José não sabia a razão pela qual a sua Maria não havia dado a luz a um garoto igual aos demais e aquele papo todo dele ser mancomunado com o cão o deixou furioso.
José chegou numa terça na igreja junto do sol. Andou pelo pátio até ver o Padre tomando seu café na varanda de trás, encarando uma grande figueira, como sempre fazia. José chegou ao lado do Padre de surpresa e com um golpe certeiro do seu facão de abrir coco, rachou a cabeça do padre espalhando miolos bentos pelo chão, tetos, paredes, roupas, boca, cabelos…
Ele andou até a pia de água benta e se lavou ali mesmo. Para secar o rosto e as mãos usou a manta da grande imagem de Nossa Senhora. José foi para casa com o facão, cara, cabelos e mãos limpas.
Não deu duas horas o delegado bateu na casa de José. Ao abrir a porta, o oficial foi logo perguntando se José tinha alguma coisa a ver com aquilo. José negou. Falou que estava muito triste, pois tinha ido falar com o Padre ontem de tarde e ele o tinha ensinado uma oração e ao voltar para a casa e orar os filhos descobrira que Tiago não mancava mais e que André não tinha mais chifres. Um verdadeiro milagre.
O delegado entrou na casa de José assim mesmo, procurando pela arma do crime, mas não achou nada. Achou foi os garotos curados. No fim, José foi investigado por meses e meses e nada foi provado. Finalmente, um bêbado do qual ninguém se lembrava confessou a morte do padre, pois ele o vivia repreendendo. O outro padre veio e a igreja foi ficando cada vez mais vazia. O povo já estava conhecendo a lenda e os poderes de José Milagreiro, feiticeiro do diabo.
José tinha um caldeirão de ferro fundido que acendia com lenha de eucalipto no terreno atrás de sua casa todas as sextas depois das nove da noite. A fila dava volta pelo quarteirão. Ele sentava em frente ao fogo e se apoiava num facão velho, enferrujado e sem fio, que ele usava antigamente para cortar coco. Enquanto ele ficava ali sentado, se levantasse, mancava da perna esquerda e se tirasse o chapéu, tinha dois chifres pontiagudos. José sabia de tudo e tinha solução para todas as questões. A única coisa que ele cobrava era um pouco de dinheiro e um abraço.
Numa sexta, o Padre novo foi lá. José disse que para ele não tinha fila. Mandou que entrasse direto. O padre sentou-se em frente ao caldeirão e encarou José que, de olhos fechados, mascava um pedaço de carne seca.
– Diz aí, Padre.
– O senhor tem que parar com esse absurdo.
– Tenho não.
– Tem sim. Isso é culto ao demônio. As pessoas estão se corrompendo.
– Padre, nessa cidade quem manda é o diabo. O senhor aceita logo.
O Padre se levantou furioso e usando sua bengala de madeira de lei, virou o caldeirão em cima de José. O conteúdo caiu sobre as chamas e embebedou a roupa de José que em uma explosão teve seu corpo tomado pelo fogo. O facão flamejante de José partiu a cara do Padre novo ao meio enquanto ele queimava e sua pele se soltava da carne. Após a pele tostar, os músculos cozidos e molengas, despencaram e o esqueleto enegrecido soltou uma gargalhada. O caldeirão explodiu novamente e quando a fumaça baixou, José estava de pé, como sempre fora. Roupa, chapéu e bengala. Andou mancando até o portão e mandou que o próximo entrasse.
*Imagem de Lars Nissen por Pixabay
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