top of page
Foto do escritorEspelho de Circe

Entre Púlpitos e Palanques

O indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro é quase como um sermão divino sobre a famosa máxima “quem planta vento, colhe tempestade”. Entre motociatas, orações públicas e discursos inflamados sobre moral e bons costumes, ele usou a Bíblia como escudo e o altar como palanque. Agora, com as evidências de suas “boas obras” se acumulando, temos uma excelente oportunidade para refletir sobre os perigos de misturar religião e política. E, claro, nada como olhar para os Estados Unidos, mais especificamente para o Cinturão da Bíblia (1) (Bible Belt), aquela região onde “Deus no comando” é lema oficial, para perceber que estamos seguindo exatamente o exemplo errado.


O Cinturão da Bíblia é como aquele parente metido a santo que prega o bem, mas nunca paga o que deve. É a parte dos EUA onde o conservadorismo religioso governa com mãos firmes e olhos vendados, pregando valores cristãos enquanto ignora completamente os problemas que eles próprios criaram. A educação sexual, por exemplo, é praticamente proibida – afinal, falar sobre sexo é pecado. Mas, por algum motivo, isso não impede a explosão de gravidez na adolescência e as taxas altíssimas de DSTs, porque nada grita mais “moralidade cristã” como adolescentes descobrindo métodos contraceptivos na prática. A solução? Orações e castidade. Funciona? Claro que não.


E o sistema de saúde, então? Lá, eles confiam tanto em Deus que nem precisam de médicos. Muitos estados rejeitaram a expansão do Medicaid porque saúde pública é coisa de “comunista”. O resultado é uma epidemia de doenças evitáveis, enquanto os pregadores enchem seus sermões de frases feitas sobre “o poder da fé”. É como se esperassem que uma prece fosse suficiente para curar uma infecção. Spoiler: não é. Mas a hipocrisia atinge seu auge quando se fala em família. Eles defendem tanto os valores tradicionais que têm as maiores taxas de divórcio do país. Parece que o “até que a morte nos separe” dura menos do que um foguete da Space X.


E aqui estamos nós, no Brasil, copiando essa fórmula infalível. Bolsonaro e seus aliados já nos deram um gostinho do que significa misturar púlpito e poder. Educação sexual virou um tabu, direitos reprodutivos são atacados diariamente, e políticas de saúde pública foram substituídas por “jejum em prol da nação”. Enquanto isso, os mesmos líderes que pregam contra o aborto e exaltam a santidade da família estão ocupados acumulando processos e suspeitas de desvio de dinheiro. A hipocrisia é tanta que até Deus deve estar revirando os olhos.


O que o caso Bolsonaro nos ensina – além de como não governar um país – é que religião e política não são uma combinação milagrosa, mas uma receita para o desastre. O Cinturão da Bíblia já nos mostrou que esse casamento entre púlpito e palanque só gera desigualdade, pobreza e políticas que ignoram as necessidades reais do povo. É uma terra onde moralidade é usada como moeda de troca, mas o retorno é sempre em forma de miséria.


Se quisermos aprender algo com o indiciamento do ex-presidente, é que precisamos separar, de uma vez por todas, Estado e igreja. Porque, se continuarmos nesse caminho, não estaremos construindo um país justo e próspero, mas uma versão tupiniquim do Cinturão da Bíblia americano – com mais calor, menos ar-condicionado e a mesma dose insuportável de hipocrisia.


(1) O Bible Belt é uma região cultural dos Estados Unidos, caracterizada pela forte influência do cristianismo evangélico e valores cristãos. Abrange principalmente estados do sul e sudeste, como Alabama, Arkansas, Geórgia, Kentucky, Louisiana, Mississippi (o “coração” da região) e Tennessee, com partes de Oklahoma, Texas, Flórida, Missouri, Carolinas e Virgínia também incluídas.

Posts Relacionados

Ver tudo

Quem quer ser Jesus?

Porque, sejamos sinceros, quem quer ser Jesus, andando pelas ruas de sandálias, quando você pode ser Deus?

Comments


bottom of page