Dentro da bruxaria tradicional não é difícil encontrarmos textos e longas divagações a respeito de uma figura ctônica nomeada como “Diabo das Bruxas” ou “Homem de Negro, mas hoje quero divagar sobre uma outra figura; ainda mais enigmática e sombria: a Rainha das Bruxas.
Chamada por alguns de Rainha de Elphame, Frau Holda, Herodias ou Diana e por outros, simplesmente, de Nossa Senhora, a Rainha é uma figura misteriosa cujo poder pode estar além da capacidade humana de transcrever ou atribuir um significado linear. E ao dizer que essa figura é sombria não me refiro ao universo gótico e imbuído de símbolos macabros, mas sim à escuridão da terra onde reside toda a fertilidade, sendo essa o berço da humanidade e de todo o ciclo da vida e morte.
Não é novo o fato da bruxaria ser um ofício de origem feminina e com isso podemos entender um pouco do mistério acerca da Rainha das Bruxas e o porque dela ser tão guardada por aqueles que já vislumbraram a sua grandiosidade. No culto de Ifá, por exemplo, o mistério de Iyami pode se equiparar à imagem e ao valor dado à Rainha pela bruxaria tradicional. Logo, temos aqui o entendimento que o segredo habitado no coração do lar de um clã é algo a ser preservado e não exposto.
Sim, estamos falando da Mãe primordial do mundo, aquela que presidiu a Era Dourada de Saturno e que continua a presidir o todo, ou seja, o macrocosmo. Todos somos crias dessa Rainha e ao assumirmos ela como nossa mãe, temos que por em pauta algumas características em torno desse arquétipo tão mal interpretado na contemporaneidade.
A primeira delas é o fato de que ela é a mãe que nos impulsiona ao nosso melhor e não necessariamente a mãe que desejamos para alimentar um ideal ilusório de uma figura que nos afaga os cabelos e diz que tudo irá terminar em confete. Essa mãe é aquela mãe que quando necessário é dura, rígida e ríspida, tamanho é o desejo de ver seus filhos atingindo seu potencial máximo. Também precisamos pontuar que não estou falando da deusa tríplice do neo-paganismo com suas tiaras de luas, voz doce e vestido esvoaçante. Estou falando aqui de uma figura intensa e indomada como Lilith, que emerge embebida de sangue e suor, misteriosa como Hécate, violenta como as Fúrias e poderosa como as próprias Moiras. Outro ponto a ser posto é que a figura da mãe caracteriza a figura da mulher no auge do seu poder; enfatizando e enaltecendo a sua capacidade de gerar vida ou de interrompe-la de acordo com a sua vontade.
Conseguem entender o quão complexo é, para nós escritores, conseguirmos organizar palavras e analogias para comentarmos sobre essa figura? Porque ela é essa imensidão sem forma e sem limites; ela é o mistério que habita por trás da existência da própria bruxa e com isso conseguimos ou podemos vê-la manifestando suas nuances através da cada mulher que nos cerca. Em um futuro que espero não ser tão longo, quero entregar a vocês um segundo texto, mais recortado e rico em simbologias acerca da Rainha das Bruxas e o progresso da imagem construída em torno de Lilith, uma figura que ao meu ver caracteriza com grande proeza o que se entende pela Rainha das Bruxas.
Mas por hora, deixo um convite a vocês que desejam tocar esse feminino tão sacro e arcaico. Deixem de lado os nomes, as culturas, os mitos e as “deusas” da modernidade. Olhem para o feminino à frente de vocês, seja em uma humana ou animal; veja o poder que pulsa de um ser capaz de entregar a vida e conduzir à morte e então contemplem o vislumbre da Rainha das Bruxas.
Vejamos primeiro o divino dentro de cada coisa ao nosso redor e depois podemos começar a procurar nos compêndios de mitos algo mais alegórico para pautarmos práticas e liturgias.
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