Eu vim de infinitos caminhos,
E os meus sonhos choveram lúcido pranto
Pelo chão.
Quando é que frutifica, nos caminhos infinitos,
Essa vida, que era tão viva, tão fecunda,
Porque vinha de um coração?
E os que vierem depois, pelos caminhos infinitos,
Do pranto que caiu dos meus olhos passados,
Que experiência, ou consolo, ou prêmio alcançarão?
É um estigma dos tempos atuais olharmos para o Ofício dos Sábios com dois olhares: o Moderno e o Tradicional; que de modernos e tradicionais possuem muito pouco, para não dizer nada. E tendo os dois conceitos em mente, alimenta-se uma rivalidade que se iniciou em um tempo não tão antigo assim, os anos cinquenta.
Robert Cochrane, o pai da Bruxaria Tradicional Moderna, e Gerald Gardner, o pai da Wicca possuíam inúmeras questões um com o outro e ambos sempre deixaram às claras que não compactuavam com as visões de seus opositores. O termo “gardneriano” possui origem nas afrontas de Cochrane e o mesmo aconteceu com o dito “cochranianismo”; essa história poderia muito bem dar uma temporada inteira de “Feud” do Ryan Murphy se esta não estivesse sido cancelada.
E então voltamos ao mundo no qual estamos onde a bruxaria passou a ser religião, espiritualidade, ativismo, política, moda, “lifestyle” e mais um monte de coisas que a distanciam do que ela realmente é: arte. A arte de contar histórias, de lembrar o passado, de olhar para o futuro, de construir um presente, de caminhar por mundos, de conversar com seres, de aprender saberes, provar sabores e contemplar o que ainda não pode ser compreendido.
Quando nos prendemos aos termos wicca, bruxaria tradicional (moderna), wicca tradicional britânica, bruxaria eclética, assim por diante; e brigamos por eles; discutimos veementemente sobre qual deles é o mais verdadeiro, autêntico e, silenciosamente, diga-se de passagem, poderoso; estamos alimentando uma briga que deveria ter ficado no passado. Nos espelhamos nos erros de grandes homens e mantemos viva uma herança que nunca foi a que deveria ter sobrevivido; pouco se importa com a arte da bruxaria em si e muito se procura um certificado de graduação dentro das tradições cobiçadas.
Não digas onde acaba o dia.
Onde começa a noite.
Não fales palavras vãs.
As palavras do mundo.
Não digas onde começa a Terra,
Onde termina o céu
Não digas até onde és tu.
Não digas desde onde és Deus.
Não fales palavras vãs.
Desfaze-te da vaidade triste de falar.
Pensa, completamente silencioso,
Até a glória de ficar silencioso,
Sem pensar.
Deveríamos ser mais como Cecil Williamson, como Doreen Valiente ou como Cecília Meireles quando esta diz: “Não fales palavras vãs”. A herança sobre a qual poderíamos estar nos moldando é aquela descrita por Emma Wilby nas “Visões de Isobel Gowdie” e em outras inúmeras referências que eu poderia listar aqui, fazendo deste ensaio, um guia e não uma reflexão.
O ícone primal da bruxa descrito em muitos textos do mundo medieval, aquele ser de outro mundo que ao mesmo tempo caminha nesse mundo, se distancia cada dia mais e não possuímos ninguém a culpar a não ser uns aos outros e a nós mesmos. Sempre que escrevo uma crítica ou um texto desse cunho nunca me coloco como alguém fora da curva; sou bem resolvido com a parte dela que me pertence e por tal motivo vocês estão lendo minhas palavras agora.
Então, levem essa reflexão para casa junto com começo desse “All Hallow`s Eve”. Qual é a herança que vocês desejam alimentar? Por qual razão vocês desejam ser lembrados? Quantos títulos você precisa para ser alguém que se julga importante? De quantas brigas você precisa para provar seu ponto de vista? Quantos inimigos são necessários para você sentir admirado? O bem que você faz em nome de outrem é maior que o mal causado para justificar teus meios?
Seja um magister, alto sacerdote, um bruxo, um homem sábio, uma mulher que sussurra, uma feiticeira, uma curandeira e tudo mais o que quiser. Seja livre, seja leve; mas, principalmente, seja alguém que você admiraria em outros tempos; e um bom ser humano antes de todos esses outros títulos.
Comments